Novas maneiras de olhar o nervo óptico
O glaucoma de ângulo aberto primário (GAAP) é uma neuropatia óptica progressiva que causa perda de visão irreversível através da degeneração de células do gânglio retiniano (CGRs) e de seus axônios.1 O glaucoma é uma das causas mais comuns de cegueira no mundo, e o GAAP pode ser a forma mais comum da doença, especialmente entre pessoas de descendência européia e africana. A maioria das pessoas com GAAP experimenta um dano significativo do nervo antes de se dar conta de que tem a doença.2 Estudos sugerem que até 50% das CGRs e de seus axônios podem ser perdidos antes que testes de campo visual detectem o dano glaucomatoso.3
Pacientes com glaucoma podem se consultar com oftalmologistas em qualquer estágio.4 A doença em seus estágios iniciais é indetectável. Mesmo após a morte da célula ganglionar e da progressão na camada de fibra do nervo retiniano até o ponto em que se torne observável, a doença permanece assintomática A perda de campo visual progride até afetar a visão funcional. As mudanças de campo visual são detectáveis primeiramente em um perímetro automático de comprimento de onda curto, depois em um perímetro padrão e, na medida em que a perda de campo visual progride de moderado a severo, ela afeta progressivamente a visão funcional, resultando finalmente na cegueira.
No desenvolvimento de terapias neuroprotetivas para o glaucoma, métodos para detectar e acompanhar a resposta de nervos ao tratamento serão vitais.
A patofisiologia do dano do nervo glaucomatoso – a degeneração lenta e progressiva das CGRs que é característica da doença – não é totalmente compreendida. Sabe-se que a elevação da PIO causa a elevação da pressão na lâmina cribrosa, deformando os axônios da CGR e bloqueando o transporte axonal das neurotrofinas, resultando em morte celular1. No entanto, há outros fatores independentes da PIO que podem contribuir, independente ou coletivamente, para a morte da CGR e para o dano da fibra nervosa no glaucoma. Estes incluem a hipóxia-isquemia local devido à desregulação do suprimento de sangue, presença excessiva de glutamato, alterações de células da glia ou de astrócitos e imunidade aberrante.1
Todos os medicamentos antiglaucomatosos disponíveis são direcionados para diminuir a PIO, o único fator de risco tratável conhecido para dano glaucomatoso. Terapias adicionais para glaucoma podem ter como objetivo se concentrar na preservação do nervo para complementar ou substituir este foco terapêutico na diminuição da PIO. Na última década, tem havido um aumento de interesse na abordagem do tratamento de neuropatia óptica glaucomatosa com o uso de estratégias neuroprotetivas desenvolvidas para controlar dano em outras partes do sistema nervoso central, tais como aquelas para derrames ou trauma.5 As terapias neuroprotetivas seriam direcionadas para interromperem os elementos neurodestrutivos primários do glaucoma ou para melhorarem a sobrevivência das CGRs e das fibras nervosas ópticas, em vez de serem direcionadas para causas secundárias, tais como uma PIO elevada. Uma estratégia neuroprotetiva oferece vantagens potenciais em uma doença como o glaucoma porque ela oferece a possibilidade de tratar uma patologia subjacente sem levar em consideração se a etiologia específica é primária ou secundária.5
Detecção inicial de dano à CGR
No desenvolvimento de terapias neuroprotetivas para o glaucoma, métodos para detectar e acompanhar a resposta de nervos ao tratamento serão vitais. Até recentemente, não havia nenhum modelo animal eficiente para avaliar in vivo a saúde das células nervosas de forma não-invasiva e reproduzível ao longo do tempo.
Recentemente foram descritos métodos para marcação retrógrada das CGRs pela injeção de corantes fluorescentes no colículo superior ou em outras áreas nos cérebros de roedores ou pela injeção de corantes diretamente no vítreo. Estes métodos permitem então a criação de imagens in vivo de células marcadas com oftalmoscopia confocal de varredura e outras técnicas. No entanto, estas técnicas têm limitações, incluindo dificuldades na aquisição de medidas em série ao longo do tempo ou na distinção entre CGRs danificadas e células próximas que absorveram detritos de CGRs degeneradas.6
As terapias que podem prevenir dano às CGR no glaucoma, quando identificado, irão ocasionar uma mudança de paradigma na oftalmologia.
Christopher Kai-shun Leung, MD, da Universidade Chinesa de Hong Kong, e Robert N. Weinreb, MD, da Universidade da Califórnia, San Diego, descreveram o monitoramento não-invasivo em longo prazo de CGRs em camundongos transgênicos.6 Os camundongos foram geneticamente transformados para expressarem a proteína fluorescente ciano (PFC ) quando estimulados por uma redução na expressão de Thy-1. A Thy-1 é uma glicoproteína de superfície celular expressada nas CGRs; experimentos de esmagamento de nervo sugeriram que a perda de expressão de Thy-1 está relacionada com a perda de CGRs. Portanto, a redução na expressão de Thy-1 poderia servir como um indicador de estresse nas CGRs.
A expressão de PFC foi monitorada por um oftalmoscópio confocal com varredura a laser modificado (Heidelberg Retina Analyzer; Heidelberg Engineering). O laser de argônio do equipamento foi substituído por um laser de safira operando em 460 nm, com um filtro barreira em 470 nm, especificamente para visualizar a PFC.
As imagens das CGRs obtidas com o oftalmoscópio confocal com varredura a laser modificado podem ser identificadas como manchas fluorescentes distribuídas na retina do camundongo transgênico, embora as estruturas dendríticas das células não sejam visíveis. Os raios lineares convergindo para a cabeça do nervo óptico são provavelmente feixes de axônios.
As mudanças ao longo do tempo no número de manchas representando as CGRs podem ser comparadas diretamente. Os pesquisadores realizaram medidas em série de CGRs expressando CPF em camundongos transgênicos após o ferimento causado pelo esmagamento do nervo e notaram uma perda progressiva de manchas fluorescentes. Medidas em série por mais de 1 ano foram demonstradas. A técnica de obtenção de imagem não necessita de anestesia e uma varredura pode ser feita em segundos com um assistente segurando o camundongo.
Olhando adiante
As terapias que podem prevenir dano das CGR no glaucoma, quando identificadas, ocasionarão uma mudança de paradigma na oftalmologia.5 As terapias neuroprotetivas irão enfocar a causa subjacente do dano glaucomatoso, da morte das CGR, ao invés do substituto atual – prevenir o dano do nervo óptico através do controle da PIO. Estas terapias irão potencialmente prevenir o dano do nervo sem levar em consideração se a patologia de um dado glaucoma do paciente está relacionado com a PIO, fatores genéticos, isquemia, ou falência de suporte trófico. Será importante ter modelos animais apropriados para avaliar estas terapias potenciais. A técnica que permite a detecção in vivo de dano das CGR ao longo do tempo serão vitais no desenvolvimento de terapias neuroprotetivas.
O trabalho descrito por Leung e Weinreb oferece a possibilidade de se monitorar seqüencialmente o dano das CGR ao longo do tempo. A habilidade de monitorar perfis longitudinais de doença neurodegenerativa deve auxiliar no desenvolvimento de novos agentes neuroprotetivos. Este modelo de camundongo permite a observação não-invasiva, induz a não-opacidade do meio e é amigável ao usuário e ao animal, de acordo com os pesquisadores. Os resultados obtidos são reproduzíveis e específicos para as CGR. Ele pode representar uma ferramenta valiosa para as futuras pesquisas.
Referências
- Weinreb RN, Khaw PT. Primary open-angle glaucoma. Lancet. 2004;363:1711-1720.
- Quigley HA. Number of people with glaucoma worldwide. Br J Ophthalmol. 1996;80:389-393.
- Quigley HA, Dunkelberger GR, Green WR. Retinal ganglion cell atrophy correlated with automated perimetry in human eyes with glaucoma. Am J Ophthalmol. 1989;107:453-464.
- Weinreb RN, Friedman DS, Fechtner RD, et al. Perspective: Risk assessment in the management of patients with ocular hypertension. Am J Ophthalmol. 2004:138:458-467.
- Weinreb RN, Levin LA. Is neuroprotection a viable therapy for glaucoma? Arch Ophthalmol. 1999;117:1540-1544.
- Leung CK, Weinreb RN. Experimental detection of retinal ganglion cell damage in vivo. Exp Eye Res. 2008. doi:10.1016/j.exer.2008.09.006.