March 01, 2009
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Mudando conceitos na cirurgia de trabeculectomia

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Dr. Remo Susanna
Remo Susanna

A trabeculectomia, o procedimento cirúrgico de glaucoma mais comumente realizado, é eficaz na diminuição da PIO em glaucoma de ângulo aberto. No entanto, ela está sujeita a muitas complicações que limitam seu sucesso em longo prazo. Estas complicações podem incluir infecção, hipotonia pós-operatória e cicatrização da bolha.1 Muitos avanços na técnica cirúrgica de trabeculectomia foram introduzidos nos últimos anos, melhorando os resultados a longo prazo do procedimento.

Três fatores principais melhoraram o resultado da cirurgia de trabeculectomia. Estes fatores são (1) mudanças na construção dos retalhos conjuntival e escleral (2) a introdução de suturas removíveis e de lise de sutura, e (3) modificações no uso de antibióticos pós-operatórios.1 Além disso, o controle de complicações foi melhorado com a introdução de novas técnicas. Este artigo revisa estas mudanças e as maneiras como elas têm afetado os resultados da trabeculectomia.

Uma mudança importante na técnica de trabeculectomia foi o movimento dos retalhos conjuntivais de base limbo para base fórnice.
— Dr. Remo Susanna

Construção dos retalhos conjuntival e escleral

Uma mudança importante na técnica de trabeculectomia foi o movimento dos retalhos conjuntivais de base limbo para base fórnice.

Os retalhos conjuntivais de base limbo levam à formação de um anel de tecido cicatrizante, o qual foi descrito como um “anel de aço”.1 Esta barreira de tecido cicatrizante restringe o fluxo de aquoso da ferida, empurrando o aquoso em direção ao limbo e criando uma bolha saliente. O fluido aquoso, ao deixar a câmara anterior através do filtro, é forçado na direção do limbo devido à restrição posterior. Quando o fluido também encontra restrição no limbo, a tensão superficial da bolha é aumentada. Isto pode resultar em bolhas císticas, focais e de paredes finas que podem ocasionar vazamento e infecção (Figura 1).

Base limbo vs Base fórnice
Figura 1. Vantagens do retalho conjuntival de base fórnice sobre o de base limbo
Figura 1. Vantagens do retalho conjuntival de base fórnice sobre o de base limbo.
Fonte: Susanna R

Com um retalho conjuntival de base fórnice, ao contrário, não há cicatriz posterior para criar resistência. O retalho é fechado com suturas no limbo para que o aquoso flua posteriormente sem restrição. Isto cria uma bolha difusa sem a formação do anel de aço e, portanto, diminui o risco de complicações.2

Foram feitos também melhoramentos na técnica para construção do retalho escleral.1 Como mostrado na Figura 2, as incisões formando as paredes laterais do retalho não devem se estender para o limbo. Se estes cortes forem estendidos para o limbo, o aquoso tenderá a fluir através desta porção do retalho porque a resistência é inferior. Quando se permite que o aquoso flua próximo ao limbo, o resultado pode ser uma bolha saliente e vazamento tardio. É preferível que a bolha esteja posicionada mais posteriormente, longe do movimento de abertura e fechamento das pálpebras.

Técnica para o Retalho Escleral
Figura 2. As incisões formando as paredes laterais do retalho escleral não devem se estender para o limbo
Figura 2. As incisões formando as paredes laterais do retalho escleral não devem se estender para o limbo.

Para conseguir isso, o cirurgião deve deixar 1 a 2 mm entre o limbo e a extremidade mais anterior de cada incisão lateral. Assim como no retalho conjuntival de base fórnice, este desenho de incisão força o aquoso posteriormente ao longo de uma área larga, criando uma bolha difusa.

Controle da sutura

No período pós-operatório inicial, é importante que a PIO não caia muito no olho operado. Se o fechamento do retalho escleral for muito frouxo, a filtração em excesso ocasionará hipotonia. É possível que haja perda de visão por maculopatia hipotônica, a menos que o reparo seja feito em tempo hábil.

Para diminuir o risco de filtração em excesso, portanto, é melhor começar com uma ferida apertada e uma PIO pós-operatória mais alta e liberar ou lisar as suturas ao longo do tempo. Uma vez que a cicatrização da conjuntiva e da cápsula de Tenon comece a restringir o fluxo do aquoso, as suturas podem então ser liberadas ou lisadas uma a uma com um laser e a PIO diminuída gradualmente.

A lise da sutura geralmente se inicia aproximadamente 10 dias após a cirurgia de trabeculectomia com mitomicina-C, embora o tempo dependa de cada cirurgião, do tipo de técnica usada, e se a mitomicina foi aplicada. O estado da cicatrização pode ser avaliado com compressão do globo ocular. Quando a pressão é aplicada atrás da ferida e a bolha infla facilmente, não há cicatrização suficiente, e a liberação da sutura deve ser adiada. Se a bolha inflar mas houver alguma resistência, significa que a cicatrização foi iniciada e é possível remover um ponto. Os pontos restantes podem ser removidos nas visitas seguintes até que se alcance a PIO apropriada.

A lise da sutura é realizada com um laser de argônio ou de diodo e uma lente de contato à lâmpada de fenda. As lentes a laser Sutura Hoskins Nylon Suture (Ocular Instruments) e Ritch Nylon Suture (Ocular Instruments) são comumente usadas para este propósito. Recentemente, as lentes Blumenthal Suturelysis (Volk Optical) demonstraram ser particularmente úteis em pacientes com bolhas encapsuladas e em pacientes extremamente pigmentados, nos quais uma cápsula de Tenon ou conjuntiva grossa limitam a visualização das suturas.3 A extremidade arredondada das lentes Blumenthal podem ser posicionadas no tecido alvo, facilitando a mira do laser.

Se um laser não estiver disponível, suturas removíveis são eficazes para a titulação pós-operatória da PIO.4-6 Com suturas removíveis, não há preocupação com a visibilidade das suturas abaixo da conjuntiva.

A sutura de segurança de Susanna (Figura 3), uma variação da sutura de compressão de Palmberg,7 pode ser usada no final da cirurgia para promover aderência da conjuntiva à esclera subjacente. Na técnica de sutura de Susanna, a sutura é ancorada na esclera ou na córnea adjacente ao retalho conjuntival de um lado, passa por sobre o retalho conjuntival e é ancorada na esclera ou córnea no outro lado. A sutura é amarrada com força o bastante de modo que, em combinação com as suturas feitas previamente de cada lado, o retalho conjuntival fique impermeável.

Sutura de Segurança de Susanna
Figura 3. A sutura de segurança de Susanna pressionando o retalho conjuntival contra a córnea no limbo
Figura 3. A sutura de segurança de Susanna pressionando o retalho conjuntival contra a córnea no limbo.

A sutura de segurança de Susanna fornece uma garantia adicional contra o vazamento. O vazamento no limbo pode ser uma complicação séria, com risco aumentado de infecção pós-operatória e formação insatisfatória de bolha. É melhor estar protegido duplamente contra esta complicação, e a sutura extra adiciona menos do que 1 minuto ao tempo da operação.

Aplicação pós-operatória de antibióticos

A formação de bolha pós-operatória pode ser facilitada com a aplicação de antimetabólitos1,8 ou com o recém introduzido agente anti-neovascular bevacizumab (Avastin, Genentech). A escolha do agente depende do estado da bolha. Se a bolha estiver cicatrizando, deve-se aplicar 5-fluorouracila (50 mg/mL; 0,2 mL) ou mitomicina-C (0,3 mg/mL; 0,1 mL). Se a bolha estiver se vascularizando, o inibidor do fator de crescimento endotelial vascular (FCEV) bevacizumab pode ser usado.

O uso de um inibidor de FCEV para esta indicação é novo, mas está demonstrando ser muito eficaz. Poucos dias depois da aplicação de bevacizumab, a bolha vascularizada está, em muitos casos, branca novamente.

Complicações perioperatórias

A aparência de uma casa de botão na conjuntiva sobre o retalho escleral é uma complicação intra-operatória séria que é difícil reparar.
— Dr. Remo Susanna

A aparência de uma casa de botão na conjuntiva sobre o retalho escleral é uma complicação intra-operatória séria que é difícil reparar.

A conjuntiva pode ser suturada com nylon 11-0 em uma agulha vascular BV de ponta cônica (Johnson & Johnson). Se a conjuntiva parecer um celofane, a tentativa para suturar a “casa de botão” pode resultar na criação de outro orifício ao invés de reparar o já existente. Nestes casos, um enxerto de cápsula de Tenon pode ser removido do lábio posterior do ferimento e colocado abaixo do orifício como uma atadura (Figura 4).

Reparando uma Casa de Botão
Figura 4. Para o reparo de uma casa de botão em uma conjuntiva vascular, um enxerto de Tenon pode ser removido do lábio posterior do ferimento e colocado sob o orifício como uma atadura
Figura 4. Para o reparo de uma casa de botão em uma conjuntiva vascular, um enxerto de Tenon pode ser removido do lábio posterior do ferimento e colocado sob o orifício como uma atadura.

A cápsula de Tenon funciona bem nessas situações para fechar o orifício, primeiro porque ela forma uma barreira física e tamponada, e segundo porque ela facilita a formação de cicatriz devido à sua afinidade natural com a conjuntiva. A conjuntiva e o enxerto de Tenon podem ser suturados com a agulha BV ou pode-se usar uma sutura de colchoeiro de compressão de Palmberg (Figura 5).

Sutura de Colchoeiro
Figura 5. A conjuntiva e o enxerto de Tenon podem ser suturados no lugar com uma sutura de colchoeiro de compressão de Palmberg
Figura 5. A conjuntiva e o enxerto de Tenon podem ser suturados no lugar com uma sutura de colchoeiro de compressão de Palmberg.

Um orifício no retalho escleral pode ser reparado de maneira semelhante, usando-se ou um nylon de sutura 11-0 em uma agulha vascular BV de ponta cônica ou novamente um enxerto de cápsula de Tenon que é a técnica preferida do autor. O enxerto removido do lábio posterior da ferida é colocado sobre o orifício no retalho e mantido no lugar com uma sutura de compressão (Figura 6). Isto reduz o fluxo através do retalho porque ele pressiona o retalho escleral contra a esclera abaixo. Dez dias depois, a lise da sutura pode ser realizada. Até lá, o enxerto de Tenon terá reparado o orifício sem maiores problemas.

Enxerto de Cápsula de Tenon
Figura 6. Um enxerto de cápsula de Tenon é colocado sobre o orifício no retalho escleral e mantido no lugar com uma sutura de compressão
Figura 6. Um enxerto de cápsula de Tenon é colocado sobre o orifício no retalho escleral e mantido no lugar com uma sutura de compressão.

Conclusões

O objetivo de todos esses avanços em trabeculectomia é produzir uma bolha saudável, sem excesso de cicatrização ou hipotonia, levando a um controle de PIO em longo prazo em pacientes com glaucoma de ângulo aberto. Com a construção apropriada de retalhos conjuntival e escleral, o uso cuidadoso de lise de sutura, e a aplicação criteriosa de antibiótico ou agentes antiproliferativos no pós-operatório, em conjunto com o controle rápido de complicações perioperatórias, os cirurgiões podem esperar garantir anos de controle da PIO em seus pacientes depois de cirurgia filtrante.

Referências

  1. Jones E, Clarke J, Khaw PT. Recent advances in trabeculectomy technique. Curr Opin Ophthalmol. 2005;16(2):107-113.
  2. Alwitry A, Patel V, King AW. Fornix vs limbal-based trabeculectomy with mitomycin C. Eye. 2005;19(6):631-636.
  3. Khouri AS, Forofonova TI, Fechtner RD. Laser suture lysis through thick blebs using the Blumenthal lens. Arch Ophthalmol. 2006; 124(4):544-545.
  4. Kolker AE, Kass MA, Rait JL. Trabeculectomy with releasable sutures. Arch Ophthalmol. 1994;112(1):62-66.
  5. de Barros DS, Gheith ME, Siam GA, Katz LJ. Releasable suture technique. J Glaucoma. 2008;17(5):414-421.
  6. Aykan U, Bilge AH, Akin T, Certel I, Bayer A. Laser suture lysis or releasable sutures after trabeculectomy. J Glaucoma. 2007;16(2):240-245.
  7. Zacchei AC, Palmberg PF, Mendosa A, et al. Compression sutures: a new treatment for leaking or painful blebs. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1996;37:S444.
  8. Anand N, Arora S, Clowes M. Mitomycin C augmented glaucoma surgery: evolution of filtering bleb avascularity, transconjunctival oozing, and leaks. Br J Ophthalmol. 2006;90(2):175-180.

Dr. Susanna é a Diretora do Serviço de Glaucoma e Professora Associada em Oftalmologia da Universidade de São Paulo, Brasil.