Cirurgiões detalham as etapas para o transplante epitelial límbico simples
Esta técnica pode ser utilizada quando houver deficiência de células-tronco límbicas em um olho e um limbo saudável no outro olho.
Em 1964, José Barraquer descreveu uma técnica cirúrgica para a deficiência de células-tronco límbicas (ou LSCD). A descoberta fundamental da LSCD é a transgressão da conjuntiva através da fronteira córneo-conjuntival, o limbo e sobre a córnea, resultando em vascularização, inflamação crônica, defeitos epiteliais persistentes e erosões recorrentes, as quais (se não interrompidas) podem evoluir para a opacidade da córnea e se transformar em uma superfície da córnea semelhante à pele com cegueira da córnea. Esses “policiais” entre os territórios da córnea e da conjuntiva são amplamente aceitos como as células-tronco límbicas que se acredita estarem alojadas dentro dos sulcos fibrovasculares radiais, as paliçadas límbicas de Vogt.
Com toda a pesquisa global neste campo, atualmente não há um marcador definido para as células-tronco límbicas. O comprometimento das células-tronco límbicas até certo ponto (isto é, uma LSCD parcial ou setorial) pode ser corrigido pelas células-tronco restantes. Entretanto, uma LSCD mais extensa ou total resulta na inevitável transformação da córnea límpida em uma córnea opaca, com potencial perda de visão.
As estratégias de gestão dependem das seguintes perguntas-chave:
1. A LSCD é unilateral ou bilateral?
2. Extensão dos danos: moderada ou extensa?










3. Há inflamação ativa ou o olho está quiescente?
4. Há função lacrimal suficiente? A função da pálpebra está normal ou anormal?
É obrigatória a estabilização da superfície ocular antes de empreender a intervenção cirúrgica da LSCD. O tecido transplantado pode ser de autoenxerto límbico da conjuntiva, ceratolímbico ou de mucosa; ele pode ser autólogo na LSCD unilateral e alogênico (de vivos ou cadáveres) nas técnicas de LSCD bilateral ou com o auxílio de cultura celular. A LSCD parcial em um olho calmo com boa função lacrimal e da pálpebra pode ser tratada com sucesso utilizando apenas raspagem da conjuntiva e transplante da membrana amniótica. Em uma LSCD unilateral ampla, as abordagens de tratamento normalmente são o enxerto ceratolímbico autólogo do olho oposto saudável (sem imunossupressão sistêmica) e, para a LSCD bilateral mais extensa, enxertos ceratolímbicos alogênicos com imunossupressão sistêmica. A ceratoplastia penetrante primária normalmente falhará na LSCD. As técnicas poupadoras de tecido envolvem procedimentos de expansão de células-tronco límbicas ‘ex-vivo’ ou ‘in-vivo’.
Nesta coluna, os Drs. Palioura, Atallah, Karp e Amescua descrevem como executam a recentemente relatada técnica de transplante epitelial límbico simples (SLET) para a LSCD unilateral. Esta é uma técnica de expansão de células-tronco límbicas in-vivo.
Dr. Thomas “TJ” John Editor de manobras cirúrgicas da OSN
Deve ser realizado no pré-operatório um exame minucioso com lâmpada de fenda em ambos os olhos para documentar a presença de LSCD em um olho e de um limbo saudável no outro. É importante garantir a presença de um olho doador saudável, especialmente em pacientes com histórico de queimaduras químicas. Não é incomum que esses pacientes tenham tido lesões em ambos os olhos, mas somente o olho gravemente afetado manifeste sinais de LSCD. Pacientes com histórico de doenças autoimunes ou de conjuntiva cicatricial inflamatória não devem ser submetidos a este procedimento mesmo se a doença aparentar ser “unilateral” ou estiver “calma” no exame clínico. Em nossa experiência, outra aplicação excelente da técnica SLET é em pacientes que desenvolveram LSCD após tratamentos cirúrgicos ou médicos de neoplasias da superfície ocular.
Técnica operatória
O procedimento pode ser executado sob cuidado anestésico monitorado com anestesia local utilizando uma injeção peribulbar ou retrobulbar de uma mistura 1:1 de lidocaína a 2% e bupivacaína a 0,75%. Ambos os olhos são preparados de modo oftálmico estéril com povidona-iodo a 5%. A atenção é primeiramente dirigida ao olho doador para excisar o tecido límbico a ser transplantado. É marcada uma área de 2 a 3 mm (1 hora) com pinças no limbo superior do olho doador e a conjuntiva é incisada 2 mm após o limbo. A dissecção subconjuntival é efetuada até o limbo utilizando uma lâmina crescente. A dissecção então prossegue para a córnea por cerca de 1 mm (Figura 1). O tecido é excisado utilizando tesouras Vannas ou uma lâmina nº 15, colocada em solução salina equilibrada e reservada. Para evitar danos às células-tronco do epitélio límbico, o tecido é sempre agarrado pelo lado da conjuntiva. A área da biópsia do limbo é coberta com a conjuntiva adjacente utilizando cola de fibrina (Tisseel, Baxter) (Figura 2).
Agora podemos prosseguir para o olho receptor (Figura 3). É executada uma peritomia de 360° utilizando fórceps 0,12 e tesouras Westcott (Figura 4). O pannus fibrovascular que cobre a córnea é removido utilizando uma lâmina crescente (Figura 5). Após a ceratectomia superficial, é aplicada uma cauterização gentil a qualquer vaso que esteja sangrando e a superfície da córnea é alisada utilizando uma rebarba de diamante. Então é utilizada membrana amniótica (AmnioGraft, Bio-Tissue) para cobrir toda a superfície (Figura 6). Em especial, a membrana amniótica é descongelada, cortada na medida e removida do papel de nitrocelulose. Ela é colocada na superfície ocular com o lado do estroma voltado para baixo e fixada no lugar com a cola Tissel. Aplicamos primeiro o componente de fibrogênio da cola e depois a trombina, embora possam também ser aplicados juntos. Usando um gancho muscular, alisamos a membrana amniótica e dobramos suas bordas sob a conjuntiva circundante. Qualquer excesso de membrana ou cola é aparado.
O tecido doador é então trazido ao campo operatório, é seguro gentilmente com fórceps sem dentes e é cortado em 8 a 10 peças utilizando tesouras Vannas (Figura 7). Esses pequenos transplantes límbicos são posicionados na membrana amniótica de modo circular, com cuidado para evitar o eixo visual. É utilizado um par de gotas de cola de fibrina para prender os transplantes no lugar (Figura 8). Na técnica original descrita por Sangwan e colegas, neste ponto é colocada uma lente de contato terapêutica no olho receptor e este fica com o curativo de um dia para o outro. Modificamos essa técnica para garantir que os transplantes permaneçam no lugar e não sejam deslocados acidentalmente. Desta forma, após os transplantes serem colocados na membrana amniótica, aplicamos um par de gotas de cola de fibrina e depois colocamos outro pedaço de membrana amniótica por cima (Figura 9). Novamente, a membrana é colocada com o lado do estroma para baixo. Ela ainda é fixada com uma sutura límbica de náilon 10-0 aplicada no modo bolsa de tabaco ao redor do limbo (Figura 10). É então colocada uma lente de contato terapêutica na parte superior dessa segunda membrana. São aplicadas gotas de antibiótico e esteroides no olho receptor; este recebe um curativo e é protegido de um dia para o outro. É aplicada pomada antibiótica/de esteroides no olho doador, este recebe um curativo e é protegido por algumas horas. O curativo é removido antes da alta hospitalar.
Cuidados pós-operatórios
No olho receptor, o paciente utiliza gotas de esteroide seis vezes ao dia na primeira semana e inicia uma diminuição semanal ao longo das próximas 5 semanas. Ambos os olhos recebem uma gota de antibiótico tópico quatro vezes ao dia na primeira semana. A lente de contato terapêutica é removida na semana 1 do pós-operatório.
- Referências:
- Amescua G, et al. Am J Ophthalmol. 2014;doi:10.1016/j.ajo.2014.06.002.
- Atallah MR, et al. Clin Ophthalmol. 2016;doi:10.2147/OPTH.S83676.
- Basu S, et al. Ophthalmology. 2016;doi:10.1016/j.ophtha.2015.12.042.
- Holland EJ. Cornea. 2015;doi:10.1097/ICO.0000000000000534.
- Khan-Farooqi H, et al. Semin Ophthalmol.2016;doi:10.3109/08820538.2015.1114862.
- Sangwan VS, et al. Br J Ophthalmol. 2012;doi:10.1136/bjophthalmol-2011-301164.
- Para obter mais informações:
- O Dr. Guillermo Amescua pode ser encontrado no Bascom Palmer Eye Institute, University of Miami Miller School of Medicine, 900 NW 17th St., Miami, FL 33136; e-mail: gamescua@med.miami.edu.
- Editado pelo Dr. Thomas “TJ” John, professor associado de clínica médica na Loyola University de Chicago e com consultórios em Oak Brook, Tinley Park e Oak Park, Illinois. Ele pode ser contatado pelo e-mail: tjcornea@gmail.com.
Divulgação de informações: Palioura, Atallah, Karp, Amescua e John não informam interesses financeiros relevantes a serem divulgados.