Interligação da córnea pode ter aplicação na ceratite infecciosa
A fotoativação da riboflavina age como um desinfetante, reduzindo a concentração de organismos na superfície da córnea e no estroma.
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A interligação da córnea tem sido popularmente utilizada para evitar a progressão do ceratocone e da ectasia da córnea. O procedimento se baseia na utilização da riboflavina como um fotossensibilizador que gera tipos reativos de oxigênio quando ativada por ultravioleta A a 365 nm. Ela induz uma reação fotoquímica que forma ligações covalentes (ou interligações) no estroma da córnea. Na última década, ela foi introduzida nas ceratites e nas úlceras infecciosas da córnea resistentes aos medicamentos.
Com o aumento na incidência de resistência a vários medicamentos, as infecções da córnea estão aumentando e enfrentamos consequências devastadoras nas infecções microbianas agressivas. A interligação da córnea forneceu uma contribuição significativa para o controle da patogênese das infecções.
Histórico
Em 1965, Tsugita e colegas observaram que a riboflavina, quando sujeita a luz visível ou UV, poderia inativar o RNA do vírus mosaico do tabaco. Spoerl e colegas provaram através de um estudo in vitro que uma córnea com interligação é mais resistente à atividade enzimática das colagenases do que uma córnea normal ou doente.
Apesar de terem existido estudos in vitro demonstrando a atividade antibacteriana da riboflavina com luz UV, o estudo piloto em olhos humanos foi executado por Makdoumi e colegas. Eles executaram um estudo piloto para investigar a interação fotoquímica utilizada na interligação da córnea como a terapia principal para a ceratite bacteriana. Para a ceratite microbiana, Hafezi e colegas nomearam a terapia como cromóforo fotoativado para interligação da córnea com ceratite (ou PACK-CXL).
Função da interligação na infecção
Os micróbios são conhecidos por desenvolver resistência aos medicamentos devido à mutação cromossômica ou à troca de material genético por transformação, conjugação ou transdução bacteriófaga. Como as infecções resistentes aos medicamentos crescem todos os dias, novas modalidades de tratamento são inevitáveis. A interligação da córnea com riboflavina baseada em luz UV pode funcionar das seguintes formas:
1. A riboflavina interage com o DNA dos micróbios e inibe a replicação. A riboflavina possui um anel planar que se intercala entre as bases de DNA e RNA, o que resulta na oxidação dos ácidos nucleicos na exposição à luz UV.
2. Os danos oxidativos aos patógenos também são mediados por reações fotoquímicas inespecíficas. Lesões ou danos à parede celular microbiana liberam espécies de oxigênio livre ativas.
3. A própria irradiação ultravioleta possui a capacidade (dependente da dose) de destruir diretamente os microrganismos. Essa propriedade tem sido utilizada nos processos de esterilização.
Infecções bacterianas: A interligação também induz mudanças estruturais no colágeno estromal, o que evita mais ação de segmentação das colagenases. Estudos in vitro têm demonstrado seu efeito bactericida contra Staphylococcus aureus, S epidermidis, Pseudomonas aeruginosa, Streptococcus pneumoniae e MRSA.
Infecções por fungos: A interligação da córnea não elimina Candida albicans, espécies de Fusarium ou Aspergillus fumigatus in vitro, apesar de poder melhorar o efeito das medicações antifungos.
Infecções por Acanthamoeba: As espécies de Acanthamoeba também são difíceis de erradicar devido à sua natureza prolongada e agressiva e à diferença estrutural.Entretanto, a cura pode ser melhorada e o efeito da digestão enzimática na córnea pode ser evitado após a interligação.
Técnica
A raspagem inicial da córnea para coloração e cultura é rotineira em todos os casos pré-operatórios. São feitas a fotografia clínica e o exame com lâmpada de fenda. O estroma da córnea deve ser instilado frequentemente com antibióticos 1 hora antes da interligação. Em nosso centro fornecemos antibióticos a cada 10 minutos antes do início da interligação. Sob anestesia tópica com 0,5% de proparacaína, é marcada e localizada a região infecciosa e feito o desbridamento do epitélio. Após a remoção do epitélio, é instalada por 30 minutos uma solução de riboflavina isotônica a 0,1% em 20% de dextran (Figura 1). Ao final dos 30 minutos, a córnea é visualizada no microscópio e é iniciada a exposição UV. A configuração é mantida a 3 mw/cm2 por 30 minutos.
A córnea normal circundante é coberta por um escudo com abertura central para evitar a exposição UV fora da zona infiltrada. Intermitentemente, é administrada riboflavina a 0,1% como na interligação convencional. Ao final dos 30 minutos de exposição UV, a córnea é lavada com solução salina balanceada e é administrado um antibiótico tópico.
No período pós-cirúrgico, a córnea é observada em relação ao tamanho do defeito no epitélio, infiltração da córnea e afinamento. Todos os medicamentos antimicrobianos do pré-operatório podem ser continuados no pós-cirúrgico. Podem ser incluídos lubrificantes adicionais ao regime existente. São obrigatórias consultas frequentes de acompanhamento nos primeiros dias (Figura 2). A TCO do segmento anterior pode ser utilizada para o prognóstico e a documentação.
Vantagens
A fotoativação de um cromóforo (riboflavina) age como um desinfetante, reduzindo a concentração de organismos na superfície da córnea e no estroma. A ceratite infecciosa, independentemente da natureza do micróbio (bacteriana, fúngica ou Acanthamoeba), exige a gestão agressiva para deter a patogênese.A deposição de colágeno e a remodelagem do tecido granulado levam à cicatriz corneana após a ceratite infecciosa, a qual leva a perda de visão em seu curso natural.
Ao fazer a interligação na fase ativa da infecção, preparamos a córnea para formar mais interligações, o que a tornará mais forte contra a ação da digestão enzimática e também evitar o excesso de cicatrizes que ocorrem após a ceratite (Figura 3). A irradiação UV e os radicais livres de oxigênio interferem na integridade da membrana celular, levando à destruição direta da bactéria. Entretanto, uma vez que se inicie a liquefação na infecção da córnea, é iniciada a intervenção cirúrgica. Desta forma, ao evitar que o estágio de liquefação aconteça, é possível reduzir a necessidade de intervenção cirúrgica (Figura 4).
Mesmo assim, Iseli e colegas têm feito a interligação até em córneas liquefeitas devido à infecção. A cegueira da córnea induzida pela ceratite infecciosa se tornou uma das principais causas de perda de visão monocular nos países em desenvolvimento. Com o crescimento nos organismos resistentes a vários medicamentos e com uma natureza mais destrutiva dos micróbios, é necessário focar em opções de tratamento alternativas. Esperamos que a interligação da córnea baseada em luz UV tenha potencial de dar resultados promissores em tais situações.
- Para obter mais informações:
- Amar Agarwal, MS, FRCS, FRCOphth, é diretor do Dr. Agarwal’s Eye Hospital e do Eye Research Centre. Agarwal é o autor de vários livros publicados pela SLACK Incorporated, editora da Ocular Surgery News, incluindo Phaco Nightmares: Conquering Cataract Catastrophes, Bimanual Phaco: Mastering the Phakonit/MICS Technique, Dry Eye: A Practical Guide to Ocular Surface Disorders and Stem Cell Surgery e Presbyopia: A Surgical Textbook. Ele pode ser encontrado em 19 Cathedral Road, Chennai 600 086, Índia; e-mail: dragarwal@vsnl.com; site: www.dragarwal.com.
- Referências:
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- Wollensak G. Curr Opin Ophthalmol. 2006;doi:10.1097/01.icu.0000233954.86723.25.
Divulgação de informações: Agarwal e Kumar informam não ter interesses financeiros relevantes a serem divulgados.