Resultados do penfigóide da membrana mucosa dependem do diagnóstico e do tratamento precoces
O exame e o acompanhamento cuidadosos, junto com a terapia imunossupressora apropriada, são fundamentais para preservar a visão.
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O diagnóstico precoce e a terapia local e sistêmica agressivas são fundamentais para o resultado visual em longo prazo nos casos de penfigóide da membrana mucosa com envolvimento ocular.
O penfigóide da membrana mucosa (PMM), uma doença bolhosa, crônica, sistêmica e autoimune que afeta qualquer membrana mucosa, é caracterizada pelo depósito linear de IgG, IgM, IgA ou C3 na membrana basal, o que faz com que a maioria dos tecidos da mucosa formem cicatrizes progressivas (Figura 1). A idade média do PMM com envolvimento ocular é 67,4 anos (faixa: dos 50 aos 80 anos), e as mulheres costumam ser mais afetadas que os homens. Em um grande estudo retrospectivo, Thorne e outros médicos descobriram que aproximadamente 80% dos pacientes com PMM têm envolvimento ocular.
Imagens: Levine MR |
Os pacientes com manifestações oculares de PMM muitas vezes apresentam conjuntivite crônica não específica, com sintomas como irritação, queimação e lacrimejamento. Isso acaba causando uma fibrose subepitelial da conjuntiva com suave enfraquecimento do fórnix, até formação de simbléfaro, encolhimento e obliteração dos fórnices conjutivais (Figura 2). A formação de cicatrizes conjutivais faz com que a triquíase inicial evolua para entrópio cicatricial com triquíase. Ela também causa a obliteração dos dutos lacrimais e das glândulas acessórias de Wolfring e Krause, além da perda de células caliciformes, o que causa sintomas de olho seco em decorrência da deficiência lacrimal e da disfunção lacrimal evaporativa.
As alterações na superfície ocular e na posição da pálpebra e dos cílios, e a destruição de células-tronco limbais causam uma ceratopatia progressiva com neovascularização e conjuntivalização da córnea. Isso pode levar ao desenvolvimento de xerose, queratinização da superfície ocular e anquilobléfaro. Além disso, em um estudo sobre a flora bacteriológica nesses pacientes, 81% tiveram possíveis patógenos, na maioria dos casos estafilococo.
Sob o ponto de vista histopatológico, bolhas ou bulas subepiteliais caracterizam o PMM. No estágio inicial da doença, é feita a infiltração de linfócitos T, células de plasma, leucócitos polimorfonucleares e, às vezes, eosinófilos. Na fase aguda, existem vários leucócitos polimorfonucleares e nas fases subsequentes, ocorre a fibrose epitelial. Imunologicamente, a mucosa perilesional revela a presença ou uma combinação de IgG, IgM, IgA ou C3 na membrana basal em uma configuração linear das membranas mucosas, da conjuntiva e da pele.
A amostra para biópsia deve incluir tecido adjacente à bolha porque a imunoglobina fixada ao tecido dentro da bolha pode ter sido destruída pela infiltração inflamatória. Para o envolvimento de várias membranas, a amostra para biópsia deve ser retirada de um tecido não ocular adjacente à bolha (por exemplo, o tecido da boca). Quando apenas a conjuntiva está envolvida, é preciso tomar muito cuidado para minimizar o trauma na conjuntiva, que pode acelerar o processo da doença. A amostra para biópsia deve ser colocada no fixador de Michel para processamento posterior se necessário. Os resultados da imunofluorescência direta são confiáveis por até 6 meses e os da microscopia eletrônica por até 28 dias.
Os resultados da biópsia conjuntival são positivos para PMM em 50% a 80% dos casos. A sensibilidade da detecção é aumentada com o uso da técnica de imunoperoxidase quando a imunofluorescência gera um resultado negativo. Um resultado de biópsia negativo não necessariamente exclui o diagnóstico, mas devem ser consideradas as causas alternativas da formação de cicatrizes.
Diagnóstico diferenciado
O diagnóstico diferenciado do PMM inclui a síndrome de Stevens-Johnson, o eritema multiforme, o pênfigo paraneoplásico e o pseudopenfigóide. De acordo com um estudo epidemiológico feito por Thorne e outros médicos, as causas presumidas mais comuns do pseudopenfigóide incluem medicamentos para glaucoma, blefaroconjutivite rosácea, ceratoconjutivite atópica e líquen plano conjuntival.
Os medicamentos apontados como causas do pseudopenfigóide geralmente incluem iodeto de ecotiofato, além de pilocarpina, brometo de demecário, timolol, idoxuridina, alfa-agonistas e epinefrina. Na minha experiência com pseudopenfigóide induzido por medicamentos, IgG, IgM e IgA ou complementos são raramente vistos na imunofluorescência da amostra para biópsia.
Tratamento médico
O tratamento médico do PMM que envolve a superfície ocular deve ser muito agressivo para evitar ceratoconjutivite sicca e a formação avançada de cicatrizes, que podem levar a anquilobléfaro. Como o PMM é uma doença sistêmica, a terapia tópica é insuficiente. A avaliação do quadro clínico combinada com a gravidade da inflamação, a localização e a rapidez da progressão deve orientar a seleção do tratamento médico anti-inflamatório. Como a doença conjuntival ocular pode causar cegueira, ela é considerada de alto risco.
Para os pacientes nos quais a doença progride de forma grave e rápida, o tratamento deve ser prednisona (de 1 mg a 1,5 mg por dia, por quilo do peso corporal) e ciclofosfamida ou azatioprina. Quando a doença estiver progredindo lentamente, a dapsona (de 50 mg a 200 mg por dia) poderá ser considerada como terapia inicial alternativa. Os efeitos colaterais mais comuns da ciclofosfamida incluem mielosupressão e cistite hemorrágica e a azatioprina costuma causar desconforto gastrointestinal, embora toxidade hepática reversível possa ocorrer em 2% dos pacientes. Os pacientes precisam ser cuidadosamente monitorados por um clínico para que essas complicações possam ser verificadas. O tratamento com dapsona deve ser evitado em pacientes alérgicos a sulfas ou com deficiência de glucose-6-fosfato desidrogenase.
Outros tratamentos promissores incluem micofenolato de mofetila combinado com dapsona e esteroide, imunoglobina intravenosa e agentes biológicos, como rituximab e daclizumab. Os pacientes geralmente apresentam uma diminuição da hiperemia conjuntival algumas semanas após o início do tratamento. Geralmente, a terapia imunossupressora continua de 2 a 3 anos até a remissão.
Tratamento da doença
Em termos de tratamento da doença local, lágrimas artificiais sem conservantes em conjunto com plugs punctais ou cautério ajudam a aliviar a deficiência lacrimal. Se o rompimento epitelial da córnea aumentar, uma lente escleral terapêutica poderá ser aplicada. No entanto, os pacientes devem ser cuidadosamente monitorados quanto a infecção associada a lentes de contato. A infecção bacteriana secundária deve ser tratada com base no cultivo e no antibiograma.
No cuidado cirúrgico dos pacientes com PMM, o tratamento deve ser adiado por pelo menos 6 semanas se possível ou até que a doença esteja controlada ou tenha melhorado notadamente com a terapia sistêmica. Nos casos de triquíase, a ablação de cílio com crioterapia, laser de argon e excisão do complexo do folículo do cílio são eficientes, com ou sem o enxerto de membrana mucosa. O entrópio cicatricial leve pode ser tratado apenas com a divisão do simbléfaro por meio da colocação de um anel de simbléfaro até que ocorra a reepitelização com bons resultados. A reconstituição do fundo de saco ocorre no prazo de 5 a 7 dias.
A doença cicatricial mais avançada da pálpebra superior e do fundo de saco pode ser tratada com blefarotomia transversal e rotação marginal com lise do simbléfaro e do anel de simbléfaro. Um enxerto de membrana mucosa poderá ser necessário para reconstituir o fundo de saco superior em casos mais graves ou no caso de cirurgia malsucedida. Na reconstituição do fundo de saco inferior, um enxerto de membrana mucosa combinado com blefaroplastia transversal e rotação marginal ou avanço do retrator irá de fato girar a margem da pálpebra (Figuras 3, 4 e 5, página 10). A taxa de insucesso do enxerto de membrana mucosa pode ser alta, especialmente sem o pré-tratamento da ceratoconjutivite sicca e o controle da inflamação com imunossupressão.
Prognóstico
Concordamos com outros autores que a ceratoconjutivite sicca, a doença cicatricial ocular avançada e a inflamação especialmente ativa têm um prognóstico ruim. Existem momentos, no entanto, nos quais o cirurgião não tem escolha nos casos de entrópio cicatricial significativo. Sem a restauração do contorno da pálpebra, a córnea provavelmente desenvolverá ceratopatia punctata, pannus, ulceração e perfuração. No entanto, não é recomendável fazer cirurgias com inflamação grave sem terapia imunossupressora sistêmica.
Nunca é demais enfatizar a necessidade de pré-tratamento e imunossupressão pós-cirúrgica. Por fim, a córnea queratinizada xerótica com anquilobléfaro grave poderá ser tratada com ceratoprótese introduzida pela pálpebra, embora os resultados em longo prazo sugiram cautela.
Diagnosticar esses pacientes no estágio inicial com exame e acompanhamento cuidadosos e coordenação com o clínico do paciente para iniciar a terapia imunossupressora são etapas fundamentais para preservar a visão.
Referências:
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- O Dr. Mark R. Levine, Editor da Seção sobre Oculoplastia e Cirurgia Reconstrutora da OSN, é professor de oftalmologia do University Hospitals Eye Institute, da Case Western Reserve University School of Medicine. Ele pode ser encontrado no University Suburban Health Center, 1611 South Green Road, Suite 306A, South Euclid, OH 44121; 216-291-9770; fax: 216-291-0550; mlevine@eye-lids.com.
- A Dra. Virginia Miraldi Utz é chefe do Case Affiliated Residency Program in Ophthalmology da Case Western Reserve University.
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