Novas idéias prenunciam a quarta geração da cirurgia refrativa da córnea
Um flap superficial para a ceratomileuse sub-Bowman facilita a cicatrização e a estabilidade corneana no pós-operatório, dizem os especialistas.
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Uma pesquisa sobre a biomecânica da córnea e cicatrização permite inovações que auxiliam os cirurgiões refrativos a melhorar a estabilidade da cicatriz e minimizar o haze, de acordo com três pesquisadores.
A ablação de superfície convencional oferece uma estabilidade mecânica, mas provoca dor e haze. A ablação intra-estromal não causa haze nem dor, mas pode resultar em instabilidade biomecânica ao longo prazo, afirmaram os especialistas. Estes descreveram novas estratégias para mitigar as desvantagens.
![]() John Marshall |
O Dr. John Marshall, PhD, do King’s College e St. Thomas’s Hospital, Londres, proferiu palestra magna sobre os resultados das pesquisas e potenciais aplicações clínicas durante o Refractive Subespecialty Day, que precedeu o Congresso da American Academy of Ophthalmology.
Em entrevistas subseqüentes à Ocular Surgery News, os fellows do Dr. Marshall, Dr. Nathaniel E. Knox-Cartwright, MRCOphth, e Dr. Romesh Angunawela, MRCOphth, debateram as suas opiniões sobre a arquitetura da incisão e o controle bioquímico da cicatrização.
A ceratomileuse sub-Bowman (SBK) resume a quarta geração da cirurgia refrativa corneana, Dr. Marshall disse em sua apresentação.
As gerações anteriores incluiam PRK, LASIK, LASEK e epi-LASIK, o Dr. Marshall lembrou.
Dr. Marshall disse que cada técnica tem suas limitações, mas a SBK oferece a melhor combinação de estabilidade biomecânica e rápida cicatrização. A cirurgia refrativa “voltará à superfície” à medida que SBK se torne o método preferido para a cirurgia refrativa, ele disse.
“Você pode fazer uma cirurgia incisional profunda, que é instável, sem haze e sem dor”, disse Dr. Marshall. “Nos casos de procedimentos de superfície, queremos controlar o processo de cicatrização, e no caso do LASIK, queremos controlar a biomecânica. Daí a sugestão do SBK ou de um flap muito superficial”.
No PRK, a lesão no epitélio e estroma produz o haze. Verificou-se que o LASIK interfere com o estroma, mas não com o epitélio. Já o LASEK se focaliza na superfície corneana com um flap epitelial, relembrou o Dr. Marshall.
“A terceira geração foi uma tentativa de voltar à superfície utilizando a técnica do LASEK ou do levantamento do flap epitelial”, ele afirmou. “Interessantemente, isso provocou um atraso no processo de cicatrização”.
SBK é factível devido ao laser de femtosegundo, que pode ser utilizado para criar novos desenhos de incisão, Dr. Marshall disse.
![]() Nathaniel Knox Cartwright |
‘O melhor dos dois mundos’
Atualmente a cirurgia refrativa é um ajuste entre a ablação de superfície, que pode resultar em haze, e o LASIK, que pode provocar a longo prazo uma instabilidade biomecânica, regressão refrativa e, às vezes, ectasia, o Dr. Knox-Cartwright disse à OSN em entrevista pelo telefone.
“O ideal seria achar um procedimento que combinasse o melhor de dois mundos, assim teríamos uma rápida e indolor reabilitação visual, além da estabilidade biomecânica pós-operatória”, disse o Dr. Knox- Cartwright. “Com o laser de femtosegundo, agora é possível cortar, minuciosa e precisamente, flaps intra-estromais bem finos”.
A precisão que o laser de femtosegundo gera permite que os cirurgiões cortem flaps bem finos. O flap da sub-Bowman é tipicamente de 90 µm abaixo da superfície, enquanto o flap do LASIK convencional é de 140 µm a 150 µm, relatou o Dr. Knox-Cartwright.
Ele citou um estudo prospectivo, randomizado, no qual Dr. Daniel S. Durrie e Dr. Stephen G. Slade compararam a ablação de superfície com uso de etanol em um olho e SBK no outro olho, em 100 olhos de 50 pacientes. Eles utilizaram flaps de SBK mais finos que 100 µm.
Eles relataram que no primeiro mês de pós-operatório, 50% dos olhos submetidos ao PRK alcançaram 20/20, comparados com os 90% dos olhos submetidos ao SBK. No sexto mês de pós-operatório, os resultados permaneceram estatisticamente os mesmos.
“Parece que o SBK pode ser o procedimento que pode combinar o melhor de cada técnica”, disse o Dr. Knox-Cartwright.
SBK exige uma curva de aprendizado relativamente curta para os cirurgiões que estão habituados à tecnologia do laser, ele afirmou.
“Para aqueles que usam o laser de fem- tosegundo, realmente não há dificul- dade adicional em se criar um flap fino”, Dr. Knox-Cartwright afirmou. “Não é uma grande mudança na técnica. É apenas uma modificação nos parâmetros e um modo mais simples de melhorar os resultados”.
Estabilidade corneana e cicatrização
Uma incisão pouco profunda e um flap superficial no estroma anterior da córnea mantêm a firmeza e integridade estrutural da córnea, disse Dr. Knox-Cartwright.
“A estrutura do terço anterior do estroma corneano é diferente da dos dois terços posteriores”, ele afirmou. “Em seu terço anterior, as fibras são mais densamente acondicionadas e entrelaçadas”.
A força de coesão do terço anterior da córnea é aproximadamente o dobro da força dos dois terços posteriores, Dr. Knox-Cartwright completou. Na prática, qualquer incisão no estroma anterior pode afetar negativamente a força estrutural.
“É realmente importante minimizar o impacto bioquímico da cirurgia, tentar manter menor possível a profundidade da incisão”, disse Dr. Knox-Cartwright. “Qualquer ligação enfraquecida provocada pela cirurgia é uma conseqüência permanente”.
A incisão ideal é oblíqua e inclinada para fora, com um diâmetro epitelial menor que o estromal, e com menor aumento da tensão do que no flap convencional vertical ou flap de lados paralelos, Dr. Knox-Cartwright salientou.
“Cremos que o motivo para isto é, primeiramente, que este tipo de flap está fisicamente fixo no local e é muito mais resistente ao deslocamento”, ele declarou. “Conforme a pressão intra-ocular aumenta, ele na verdade se fixa mais fortemente porque é firmemente pressionado no local”.
Além disso, a interface inclinada cria uma maior área de contato entre as bordas, facilitando assim o processo de cicatrização.
“É o que os engenheiros chamam de ‘scarf joint’, conhecida como a forma mais forte de unir materiais compostos”, disse Dr. Knox-Cartwright.
“É estável, e por reduzir a tensão da córnea ao mínimo, deverá permanecer estável tanto quanto os procedimentos de superfície”, Dr. Marshall disse no Congresso da AAO. “Creio que melhoraremos quando realmente modificarmos o ângulo da margem do flap. Quanto mais oblíquo o flap, mais forte ele fica no pós-operatório”.
Citocina liberada provoca o haze
Lesões nas células epiteliais liberam citocinas, proteínas ou peptídeos que agem como compostos biológicos de sinalização, o que causa o haze, Dr. Knox-Cartwright disse.
“O haze é resultante de lesões simultâneas no epitélio e estroma”, disse ele. “Com o LASIK, essencialmente não há lesão epitelial porque certamente lesa o estroma, evitando assim o haze. Com a ceratomileuse sub-Bowman não há dano epitelial, então não ocorre liberação de citocinas, as quais poderiam causar o haze. É uma forma de fazer o LASIK sem a liberação da citocina que gera o haze, ainda mantendo as vantagens biomecânicas da ablação de superfície”.
Dr. Marshall recordou as várias tentativas de eliminar o haze com esteróides ou agentes não-esteroidais.
“O verdadeiro problema do haze é que ele é um problema contínuo”, ele disse. “Tentamos combatê-lo com esteróides ou anti-inflamatórios não-esteróides, mas sempre teremos que ser pacientes para saber qual haze se tornará um problema”.
Dr. Marshall e seus colaboradores utilizaram um modelo de cultura com tecido humano para verificar as limitações do PRK, LASIK e LASEK convencional na 4a e na 6a semana do pós-operatório. Ele disse que a maioria das pesquisas até hoje foi limitada às córneas de coelhos e macacos.
Os primeiros resultados mostraram que com LASEK, a re-população de ceratócitos do local da cirurgia se atrasava em torno de 4 dias. O haze estava ligado às citocinas liberadas pelas células epiteliais vivas, mas danificadas, Dr. Marshall relatou.
“O LASEK ou epi-LASIK tem os seus problemas”, ele afirmou.
O levantamento do epitélio rompe os hemidesmossomas da porção basal das células epiteliais basais, deixando células intactas, mas danificadas, Dr. Marshall disse.
“O resultado da trama é que eles liberarão citocinas, desenvolvendo-se assim o haze”, disse.
A abordagem ideal seria matar as células epiteliais quando se fizesse o levantamento; as células mortas iriam então funcionar como uma lente de contato terapêutica, Dr. Marshall esclareceu.
“Observando a seqüência temporal neste modelo, verificamos que as células do flap têm um papel importante no processo de cicatrização e são substituídas pelas células epiteliais, que crescem para as margens e as direcionam para a superfície”, ele completou.
Processo de cicatrização alvo
Em entrevista por e-mail para a OSN, Dr. Angunawela discutiu sua pesquisa com manose-6-fosfato (M6P), um açúcar macromolecular derivado do aloe vera, para prevenir haze e cicatrizes no pós-operatório.
“Do ponto de vista clínico, tratamentos bem sucedidos com M6P poderiam reduzir o haze no pós-operatório,” Dr. Angunawela afirmou. “Definitivamente, como a M6P é um derivado do aloe vera, é um modulador não-tóxico ou cicatrizante, e especificamente com relação ao SBK, provavelmente pode ser aplicada em gotas e se difundir suficientemente através do epitélio”.
![]() Romesh Angunawela |
A M6P inibe a citocina TGF-beta 1 ou 2, fator chave, importante na transformação de ceratócitos passivos em miofibroblastos indutores de haze, afirmou Dr. Angunewela.
Dr. Angunawela também realizou pesquisas sobre a distribuição direcionada de drogas, no qual um aptâmero, uma molécula transportadora, carreia uma segunda droga à célula-alvo.
“Uma abordagem terapêutica seletiva tende a ser mais eficaz que as modalidades terapêuticas atuais, ao mesmo tempo que evita os efeitos secundários de outros agentes como os esteróides tópicos, que causam glaucoma e catarata”, afirmou Dr. Angunawela. “Aptâmeros são ainda atóxicos e mais baratos de se produzir que agentes similares, como os anticorpos; e como são célula-específicos, seriam necessárias menores quantidades da droga ativa para ser eficaz”.
Além disso, a ligação de uma molécula fluorescente ao aptâmero específico permitiria ao cirurgião realizar uma análise mais precisa na lâmpada de fenda e controlar o haze e a cicatrização, ele observou.
“Nossa pesquisa se concentra em aptâmeros como novo método de biodisponibilidade seletiva e célula-específico e na M6P como agente anti-TGF-beta eficaz”, Dr. Angunawela continua. “Os dois poderiam teoricamente ser combinados, embora os projetos tenham sido desenvolvidos separadamente”.
O controle seletivo do processo de cicatrização, que Dr. Marshall denominou “PRK farmacologicamente modulado”, tem um grande futuro, concluiu Dr. Angunawela.
Para maiores informações:
- Dres. John Marshall, PhD, Nathaniel E. Knox-Cartwright, MRCOphth, e Dr. Romesh Angunawela, MRCOphth, se encontram no Departmento de Oftalmologia de King’s College, Londres, Rayne Institute, St. Thomas’ Hospital, Londres SE1 7EH, UK. Dr. Marshall pode ser contactado pelo tel: 44-20-7188-4296; fax: 44-20-7401-9062; e-mail: marshall-eye@kcl.ac.uk. Dr. Knox-Cartwright pode ser contactado pelo telefone 44-20-7971-056-028; fax: 44-20-7401-9062; e-mail: n.knoxcartwright@googlemail.com. Dr. Angunawela pode ser contactado pelo telefone 44-20-7188-4296; fax: 44-20-7401-9062; e-mail: romeshi@hotmail.com.
- Matt Hasson é Redator da OSN, que abrange todos os aspectos da oftalmologia. Ele enfoca-se em tópicos reguladores, legislativos e da prática.
- Lauren Wolkoff, Editora Executiva da Edição Americana da OSN, também contribuiu para esta reportagem.