June 01, 2008
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Novas idéias prenunciam a quarta geração da cirurgia refrativa da córnea

Um flap superficial para a ceratomileuse sub-Bowman facilita a cicatrização e a estabilidade corneana no pós-operatório, dizem os especialistas.

Destaque em Cirurgia Refrativa

Uma pesquisa sobre a biomecânica da córnea e cicatrização permite inovações que auxiliam os cirurgiões refrativos a melhorar a estabilidade da cicatriz e minimizar o haze, de acordo com três pesquisadores.

A ablação de superfície convencional oferece uma estabilidade mecânica, mas provoca dor e haze. A ablação intra-estromal não causa haze nem dor, mas pode resultar em instabilidade biomecânica ao longo prazo, afirmaram os especialistas. Estes descreveram novas estratégias para mitigar as desvantagens.

Dr. John Marshall, PhD, FRCPath
John Marshall

O Dr. John Marshall, PhD, do King’s College e St. Thomas’s Hospital, Londres, proferiu palestra magna sobre os resultados das pesquisas e potenciais aplicações clínicas durante o Refractive Subespecialty Day, que precedeu o Congresso da American Academy of Ophthalmology.

Em entrevistas subseqüentes à Ocular Surgery News, os fellows do Dr. Marshall, Dr. Nathaniel E. Knox-Cartwright, MRCOphth, e Dr. Romesh Angunawela, MRCOphth, debateram as suas opiniões sobre a arquitetura da incisão e o controle bioquímico da cicatrização.

A ceratomileuse sub-Bowman (SBK) resume a quarta geração da cirurgia refrativa corneana, Dr. Marshall disse em sua apresentação.

As gerações anteriores incluiam PRK, LASIK, LASEK e epi-LASIK, o Dr. Marshall lembrou.

Dr. Marshall disse que cada técnica tem suas limitações, mas a SBK oferece a melhor combinação de estabilidade biomecânica e rápida cicatrização. A cirurgia refrativa “voltará à superfície” à medida que SBK se torne o método preferido para a cirurgia refrativa, ele disse.

“Você pode fazer uma cirurgia incisional profunda, que é instável, sem haze e sem dor”, disse Dr. Marshall. “Nos casos de procedimentos de superfície, queremos controlar o processo de cicatrização, e no caso do LASIK, queremos controlar a biomecânica. Daí a sugestão do SBK ou de um flap muito superficial”.

No PRK, a lesão no epitélio e estroma produz o haze. Verificou-se que o LASIK interfere com o estroma, mas não com o epitélio. Já o LASEK se focaliza na superfície corneana com um flap epitelial, relembrou o Dr. Marshall.

“A terceira geração foi uma tentativa de voltar à superfície utilizando a técnica do LASEK ou do levantamento do flap epitelial”, ele afirmou. “Interessantemente, isso provocou um atraso no processo de cicatrização”.

SBK é factível devido ao laser de femtosegundo, que pode ser utilizado para criar novos desenhos de incisão, Dr. Marshall disse.

Dr. Nathaniel E. Knox Cartwright, MRCOphth
Nathaniel Knox Cartwright

‘O melhor dos dois mundos’

Atualmente a cirurgia refrativa é um ajuste entre a ablação de superfície, que pode resultar em haze, e o LASIK, que pode provocar a longo prazo uma instabilidade biomecânica, regressão refrativa e, às vezes, ectasia, o Dr. Knox-Cartwright disse à OSN em entrevista pelo telefone.

“O ideal seria achar um procedimento que combinasse o melhor de dois mundos, assim teríamos uma rápida e indolor reabilitação visual, além da estabilidade biomecânica pós-operatória”, disse o Dr. Knox- Cartwright. “Com o laser de femtosegundo, agora é possível cortar, minuciosa e precisamente, flaps intra-estromais bem finos”.

A precisão que o laser de femtosegundo gera permite que os cirurgiões cortem flaps bem finos. O flap da sub-Bowman é tipicamente de 90 µm abaixo da superfície, enquanto o flap do LASIK convencional é de 140 µm a 150 µm, relatou o Dr. Knox-Cartwright.

Ele citou um estudo prospectivo, randomizado, no qual Dr. Daniel S. Durrie e Dr. Stephen G. Slade compararam a ablação de superfície com uso de etanol em um olho e SBK no outro olho, em 100 olhos de 50 pacientes. Eles utilizaram flaps de SBK mais finos que 100 µm.

Eles relataram que no primeiro mês de pós-operatório, 50% dos olhos submetidos ao PRK alcançaram 20/20, comparados com os 90% dos olhos submetidos ao SBK. No sexto mês de pós-operatório, os resultados permaneceram estatisticamente os mesmos.

“Parece que o SBK pode ser o procedimento que pode combinar o melhor de cada técnica”, disse o Dr. Knox-Cartwright.

SBK exige uma curva de aprendizado relativamente curta para os cirurgiões que estão habituados à tecnologia do laser, ele afirmou.

“Para aqueles que usam o laser de fem- tosegundo, realmente não há dificul- dade adicional em se criar um flap fino”, Dr. Knox-Cartwright afirmou. “Não é uma grande mudança na técnica. É apenas uma modificação nos parâmetros e um modo mais simples de melhorar os resultados”.

Estabilidade corneana e cicatrização

Uma incisão pouco profunda e um flap superficial no estroma anterior da córnea mantêm a firmeza e integridade estrutural da córnea, disse Dr. Knox-Cartwright.

“A estrutura do terço anterior do estroma corneano é diferente da dos dois terços posteriores”, ele afirmou. “Em seu terço anterior, as fibras são mais densamente acondicionadas e entrelaçadas”.

A força de coesão do terço anterior da córnea é aproximadamente o dobro da força dos dois terços posteriores, Dr. Knox-Cartwright completou. Na prática, qualquer incisão no estroma anterior pode afetar negativamente a força estrutural.

“É realmente importante minimizar o impacto bioquímico da cirurgia, tentar manter menor possível a profundidade da incisão”, disse Dr. Knox-Cartwright. “Qualquer ligação enfraquecida provocada pela cirurgia é uma conseqüência permanente”.

A incisão ideal é oblíqua e inclinada para fora, com um diâmetro epitelial menor que o estromal, e com menor aumento da tensão do que no flap convencional vertical ou flap de lados paralelos, Dr. Knox-Cartwright salientou.

“Cremos que o motivo para isto é, primeiramente, que este tipo de flap está fisicamente fixo no local e é muito mais resistente ao deslocamento”, ele declarou. “Conforme a pressão intra-ocular aumenta, ele na verdade se fixa mais fortemente porque é firmemente pressionado no local”.

Além disso, a interface inclinada cria uma maior área de contato entre as bordas, facilitando assim o processo de cicatrização.

“É o que os engenheiros chamam de ‘scarf joint’, conhecida como a forma mais forte de unir materiais compostos”, disse Dr. Knox-Cartwright.

“É estável, e por reduzir a tensão da córnea ao mínimo, deverá permanecer estável tanto quanto os procedimentos de superfície”, Dr. Marshall disse no Congresso da AAO. “Creio que melhoraremos quando realmente modificarmos o ângulo da margem do flap. Quanto mais oblíquo o flap, mais forte ele fica no pós-operatório”.

Citocina liberada provoca o haze

Lesões nas células epiteliais liberam citocinas, proteínas ou peptídeos que agem como compostos biológicos de sinalização, o que causa o haze, Dr. Knox-Cartwright disse.

“O haze é resultante de lesões simultâneas no epitélio e estroma”, disse ele. “Com o LASIK, essencialmente não há lesão epitelial porque certamente lesa o estroma, evitando assim o haze. Com a ceratomileuse sub-Bowman não há dano epitelial, então não ocorre liberação de citocinas, as quais poderiam causar o haze. É uma forma de fazer o LASIK sem a liberação da citocina que gera o haze, ainda mantendo as vantagens biomecânicas da ablação de superfície”.

Dr. Marshall recordou as várias tentativas de eliminar o haze com esteróides ou agentes não-esteroidais.

“O verdadeiro problema do haze é que ele é um problema contínuo”, ele disse. “Tentamos combatê-lo com esteróides ou anti-inflamatórios não-esteróides, mas sempre teremos que ser pacientes para saber qual haze se tornará um problema”.

Dr. Marshall e seus colaboradores utilizaram um modelo de cultura com tecido humano para verificar as limitações do PRK, LASIK e LASEK convencional na 4a e na 6a semana do pós-operatório. Ele disse que a maioria das pesquisas até hoje foi limitada às córneas de coelhos e macacos.

Os primeiros resultados mostraram que com LASEK, a re-população de ceratócitos do local da cirurgia se atrasava em torno de 4 dias. O haze estava ligado às citocinas liberadas pelas células epiteliais vivas, mas danificadas, Dr. Marshall relatou.

“O LASEK ou epi-LASIK tem os seus problemas”, ele afirmou.

O levantamento do epitélio rompe os hemidesmossomas da porção basal das células epiteliais basais, deixando células intactas, mas danificadas, Dr. Marshall disse.

“O resultado da trama é que eles liberarão citocinas, desenvolvendo-se assim o haze”, disse.

A abordagem ideal seria matar as células epiteliais quando se fizesse o levantamento; as células mortas iriam então funcionar como uma lente de contato terapêutica, Dr. Marshall esclareceu.

“Observando a seqüência temporal neste modelo, verificamos que as células do flap têm um papel importante no processo de cicatrização e são substituídas pelas células epiteliais, que crescem para as margens e as direcionam para a superfície”, ele completou.

Processo de cicatrização alvo

Em entrevista por e-mail para a OSN, Dr. Angunawela discutiu sua pesquisa com manose-6-fosfato (M6P), um açúcar macromolecular derivado do aloe vera, para prevenir haze e cicatrizes no pós-operatório.

“Do ponto de vista clínico, tratamentos bem sucedidos com M6P poderiam reduzir o haze no pós-operatório,” Dr. Angunawela afirmou. “Definitivamente, como a M6P é um derivado do aloe vera, é um modulador não-tóxico ou cicatrizante, e especificamente com relação ao SBK, provavelmente pode ser aplicada em gotas e se difundir suficientemente através do epitélio”.

Dr. Romesh Angunawela, MD, MRCOphth
Romesh Angunawela

A M6P inibe a citocina TGF-beta 1 ou 2, fator chave, importante na transformação de ceratócitos passivos em miofibroblastos indutores de haze, afirmou Dr. Angunewela.

Dr. Angunawela também realizou pesquisas sobre a distribuição direcionada de drogas, no qual um aptâmero, uma molécula transportadora, carreia uma segunda droga à célula-alvo.

“Uma abordagem terapêutica seletiva tende a ser mais eficaz que as modalidades terapêuticas atuais, ao mesmo tempo que evita os efeitos secundários de outros agentes como os esteróides tópicos, que causam glaucoma e catarata”, afirmou Dr. Angunawela. “Aptâmeros são ainda atóxicos e mais baratos de se produzir que agentes similares, como os anticorpos; e como são célula-específicos, seriam necessárias menores quantidades da droga ativa para ser eficaz”.

Além disso, a ligação de uma molécula fluorescente ao aptâmero específico permitiria ao cirurgião realizar uma análise mais precisa na lâmpada de fenda e controlar o haze e a cicatrização, ele observou.

“Nossa pesquisa se concentra em aptâmeros como novo método de biodisponibilidade seletiva e célula-específico e na M6P como agente anti-TGF-beta eficaz”, Dr. Angunawela continua. “Os dois poderiam teoricamente ser combinados, embora os projetos tenham sido desenvolvidos separadamente”.

O controle seletivo do processo de cicatrização, que Dr. Marshall denominou “PRK farmacologicamente modulado”, tem um grande futuro, concluiu Dr. Angunawela.

Para maiores informações:
  • Dres. John Marshall, PhD, Nathaniel E. Knox-Cartwright, MRCOphth, e Dr. Romesh Angunawela, MRCOphth, se encontram no Departmento de Oftalmologia de King’s College, Londres, Rayne Institute, St. Thomas’ Hospital, Londres SE1 7EH, UK. Dr. Marshall pode ser contactado pelo tel: 44-20-7188-4296; fax: 44-20-7401-9062; e-mail: marshall-eye@kcl.ac.uk. Dr. Knox-Cartwright pode ser contactado pelo telefone 44-20-7971-056-028; fax: 44-20-7401-9062; e-mail: n.knoxcartwright@googlemail.com. Dr. Angunawela pode ser contactado pelo telefone 44-20-7188-4296; fax: 44-20-7401-9062; e-mail: romeshi@hotmail.com.
  • Matt Hasson é Redator da OSN, que abrange todos os aspectos da oftalmologia. Ele enfoca-se em tópicos reguladores, legislativos e da prática.
  • Lauren Wolkoff, Editora Executiva da Edição Americana da OSN, também contribuiu para esta reportagem.