Profilaxia antibiótica reduz o risco de endoftalmite
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Manfred Tetz |
Os oftalmologistas vêm realizando cirurgia intra-ocular há mais de 50 anos. No início, muitos tratamentos e regimes eram usados em tentativas clínicas de reduzir o risco de desenvolvimento de endoftalmite. Hoje, muitos oftalmologistas concordam que lavar a bolsa conjuntiva com uma solução de iodo-povidona é um dos melhores tratamentos profiláticos pré-operatórios. Resultados de estudos mostram que usar uma solução de iodo-povidona reduz muito o número de organismos na bolsa conjuntiva.1-4
Existe um debate entre os oftalmologistas sobre o uso de gotas oculares antibióticas para profilaxia de endoftalmite. Estudos fornecem recomendações contraditórias acerca de quando começar o tratamento. Uma série de cirurgiões recomenda o uso de antibióticos um ou mais dias antes da operação, ao passo que outros acreditam que o uso de antibiótico pré-operatório pode produzir organismos resistentes. Alguns oftalmologistas sugerem que o tratamento pré-operatório mata a flora normal, enquanto os patógenos sobrevivem. Em minha experiência, descobri que a maioria dos cirurgiões prefere administrar gotas oculares antibióticas para profilaxia de endoftalmite no momento da cirurgia, e não um ou mais dias antes da operação.
O estudo da ESCRS foi o primeiro realizado em um grande número de pacientes para determinar conclusivamente a profilaxia mais eficaz para a prevenção da endoftalmite.
—Manfred Tetz, MD
Primeiro estudo em grande escala sobre profilaxia
Investigações, como o estudo não-aleatório realizado por Montan e colegas5 e o estudo aleatório da Sociedade européia de catarata e cirurgia refrativa (ESCRS)6, sugerem que a injeção intracameral de cefuroxima, ao final da cirurgia de catarata, pode reduzir significativamente a incidência de endoftalmite. O estudo da ESCRS foi o primeiro realizado em um grande número de pacientes para determinar conclusivamente a profilaxia mais eficaz para a prevenção da endoftalmite. Antes desse estudo, nenhum regime padrão para a prevenção de endoftalmite era amplamente aceito.
O estudo da ESCRS envolveu 15.971 pacientes de 23 clínicas. Os pacientes foram divididos em quatro grupos. Cada grupo recebeu tratamentos diferentes, mas todos os pacientes receberam iodo-povidona no pré-operatório e levofloxacina tópica por 6 dias no pós-operatório. Um grupo recebeu gotas de veículo no perioperatório, mas não recebeu injeção intracameral de cefuroxima. Outro grupo recebeu gotas de placebo e uma injeção intracameral de 1,0 mg de cefuroxima em 0,1 ml de salina ao final da cirurgia. Um terceiro grupo recebeu gotas oculares de levofloxacina no perioperatório, mas não recebeu injeção intracameral. O quarto grupo recebeu gotas oculares de levofloxacina perioperatória e cefuroxima intracameral.
Os resultados do estudo da ESCRS mostram que o uso de cefuroxima intracameral reduziu o risco de desenvolvimento de endoftalmite em, aproximadamente, cinco vezes. Deve-se notar, todavia, que o risco geral de endoftalmite nesses pacientes já era reduzido em comparação com pacientes que não recebem profilaxia de iodo-povidona. Como todas as outras variáveis foram consideradas constantes, os pesquisadores do estudo concluíram que a cefuroxima intracameral reduziu o risco de endoftalmite. Ademais, o estudo foi encerrado mais cedo que o planejado, devido aos resultados de diferença significativa na incidência de endoftalmite. Os pesquisadores determinaram que todos os pacientes deviam receber cefuroxima intracameral.
O estudo da ESCRS foi um dos mais confiáveis, devido ao grande número de pacientes avaliados. No entanto, a concepção do estudo tinha imperfeições. Primeiro, faltou ao estudo da ESCRS um teste apropriado de todas as combinações ou não-combinações potenciais. Tratou-se, provavelmente, de uma decisão ética, pois os pesquisadores não podem tratar um grupo de controle sem algum tipo de cobertura. Outra imperfeição no estudo da ESCRS foi que o local da incisão pode ter influenciado os resultados, pois alguns estudos apontam uma incidência mais alta de endoftalmite em pacientes com incisões em córnea clara.7-9 O uso perioperatório de levofloxacina, contudo, não mostrou ter influenciado os resultados do estudo.
Cobertura patógena e uso tópico de antibióticos
Uma ocorrência de endoftalmite aguda, normalmente nas primeiras 3 semanas do pós-operatório, pode ser atribuída a uma variedade de organismos, mas é causada, com freqüência, pelos mais virulentos. A cefuroxima é eficaz contra a maior parte das espécies de estafilococos, como Escherichia coli, a espécie Proteus, Propionibacterium (que, normalmente, causa endoftalmite de baixo grau), Klebsiella e Haemophilus influenza. A cefuroxima, todavia, não protege contra as cepas Staphylococcus aureus resistente a meticilina (MRSA) ou Enterococcus e é fraca contra Pseudomonas. Além disso, devido à renovação do humor, a concentração de cefuroxima na câmara anterior pode decair por um fator de quatro em, aproximadamente, uma hora.10 A cefuroxima é um antibiótico bactericida lento e dependente do tempo, podendo haver demora na a erradicação das bactérias, mesmo quando se alcança uma alta concentração do antibiótico. Outros agentes, como fluoroquinolonas, dependem apenas de concentração e atingem uma cinética de erradicação mais rápida. 11
Os oftalmologistas supõem que o risco de endoftalmite poderia ser reduzido ainda mais com um antibiótico mais eficaz.
—Manfred Tetz, MD
Durante as fases de planejamento e execução do estudo da ESCRS, fluoroquinolonas tópicas de terceira geração, como levofloxacina, constituíram tratamentos inovadores. Hoje, com o conhecimento da eficácia das fluoroquinolonas mais recentes e o desenvolvimento de resistências, os pesquisadores usariam, igualmente, uma fluoroquinolona de última geração, como a moxifloxacina (Vigamox, Alcon Laboratories, Inc.) ou a gatifloxacina (Zymar, Allergan). Se uma fluoroquinolona tópica mais recente influiria nos resultados do estudo, é difícil determinar. Não está claro quanto da profilaxia se pode atribuir à desinfecção com iodo-povidona, ao uso intracameral de cefuroxima ou ao regime adicional de gotas oculares de fluoroquinolona no perioperatório. O estudo da ESCRS não responde de forma conclusiva a essas questões. É provável que, quanto mais eficaz o antibiótico administrado no perioperatório, menor seja a probabilidade de ocorrência de endoftalmite.
O antibiótico ideal para a redução do risco de endoftalmite deve ter um bom espectro bactericida e uma boa farmacocinética, que promova uma alta concentração do antibiótico nas estruturas oculares.
—Manfred Tetz, MD
Complicações, como endoftalmite pós-operatória, estão se tornando menos aceitáveis à medida que as cirurgias de catarata se transformam em procedimentos refrativos. É obrigatório que os cirurgiões ofereçam aos pacientes a profilaxia mais eficaz possível. A última geração de fluoroquinolonas é mais eficaz do que a terceira e, como é regra para antibióticos novos, encontra menor resistência já desenvolvida. Embora a literatura sobre os potenciais benefícios da administração de antibióticos tópicos no pré-operatório não seja conclusiva, os oftalmologistas supõem que o risco de endoftalmite poderia ser reduzido ainda mais com um antibiótico mais eficaz, com menor resistência e um espectro mais amplo. O antibiótico ideal para a redução do risco de endoftalmite deve ter um bom espectro bactericida que compreenda, também, as cepas resistentes, além de uma boa farmacocinética que promova uma alta concentração do antibiótico nas estruturas oculares, em particular, na córnea e no humor aquoso. Para possibilitar um uso mais vasto, o agente ideal teria, ainda, pH fisiológico, sem risco de toxicidade e risco reduzido de resposta alérgica.
Referências
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- O’Brien TP, Arshinoff SA, Mah FS. Perspective on cefuroxime and the recent ESCRS postoperative endophthalmitis (POE) study. Artigo apresentado na: The OMIG Meeting; Nov. 10, 2006; Las Vegas, NV.