O tratamento do olho seco depende de classificação, de diagnóstico
O tratamento adequado da síndrome do olho seco depende dos sintomas e da etiologia do paciente, dos achados clínicos e laboratoriais, da evolução natural da enfermidade e de sua associação com patologias concomitantes, afirmou a Dra. Luciene Barbosa de Sousa. Ela falou sobre a classificação e o diagnóstico do olho seco em palestra no Congresso Pan-Americano de Oftalmologia de 2007, em Cancun, no México.
“As formas de classificar o olho seco são basicamente duas: podemos classificá-lo com base na patofisiologia da doença ou em sua severidade. Na prática, utilizamos os dois métodos de classificação para determinar o melhor tratamento para cada paciente.”
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A Dra. Barbosa de Sousa descreveu duas escalas propostas para classificar a severidade do olho seco: a escala Delphi e uma escala desenvolvida pela DEWS (International Dry Eye Workshop).
A primeira escala foi desenvolvida por uma força-tarefa internacional, cuja formação é de 2004 e cujos trabalhos foram publicados em 2006; conhecida como painel Delphi, ela propôs um novo nome para a disfunção crônica do olho seco: síndrome da lágrima disfuncional (ou DTS, Dysfunctional Tear Syndrome), tendo em vista sua consistência com a patofisiologia da doença e o reconhecimento do papel central da lágrima na ocorrência da enfermidade, seja em virtude da redução de seu volume ou de uma anormalidade em sua composição.
A força-tarefa Delphi identificou quatro níveis de severidade de DTS (Tabela 1), baseando-se principalmente nos sintomas e sinais do paciente, mais do que nos resultados dos testes, e também recomendou os tratamentos adequados para cada nível de severidade (Tabela 2); a terapia mais conveniente é escolhida com base na severidade dos sinais e dos sintomas e na presença de irregularidades na margem palpebral e na distribuição das lágrimas ou em perturbações na nitidez.
“Mas mesmo como uma escala como esta,” disse a Dra. Barbosa de Sousa, “há um elemento subjetivo no controle do olho seco. Como se definem os sinais moderados a severos? Cabe ao médico clínico fazer essa classificação. Podem-se utilizar questionários para entrevistar os pacientes e determinar a severidade dos sintomas, porém as respostas também serão subjetivas.”
Segundo a Doutora, Wilson e Stulting estudaram a implementação das recomendações da força-tarefa, por nove médicos, num cenário clínico, e descobriram que era algo simples e rápido. Os médicos perceberam que 96% das recomendações do tratamento com base nas diretrizes da Delphi eram consistentes com o que eles mesmos teriam recomendado sem prévio conhecimento delas. Numa variação das diretrizes, muitos médicos preferiram implementar os tratamentos de nível 2, incluindo lágrimas não preservadas e ciclosporina, para pacientes com diagnóstico de severidade de nível 1.
Segundo a Dra. Barbosa de Sousa, outro sistema de classificação do olho seco foi proposta pela cooperação DEWS internacional, formada para acompanhar um relatório de 1995, numa oficina do U.S. National Eye Institute/Industry sobre ensaios clínicos em olho seco. O relatório propôs uma definição de olho seco como “desordem do filme lacrimal devido à deficiência lacrimal ou evaporação lacrimal excessiva, o que causa danos à superfície ocular interpalpebral e está associada com sintomas de desconforto e perturbação visual”.
A equipe DEWS acaba de publicar uma “revisão enciclopédica da síndrome do olho seco”, com toda a edição de abril de 2007 do jornal The Ocular Surface. Esta publicação apresenta a seguinte definição do olho seco:
“O olho seco é uma disfunção multifatorial das lágrimas e da superfície ocular que resulta em sintomas de desconforto, perturbação visual e instabilidade do filme lacrimal, com risco à superfície ocular. É acompanhada de aumento da osmolaridade do canal lacrimal e inflamação da superfície ocular.”
O esquema DEWS divide o olho seco em duas categorias básicas: olho seco por deficiência aquosa e olho seco evaporativo; a primeira categoria é ainda subdividida em síndrome do olho seco de Sjögren e síndrome do olho seco não-Sjögren, por sua vez também subdivididas. O olho seco evaporativo é subdividido entre desordens com mecanismos intrínsecos (como a deficiência do óleo meibomiano, desordens da abertura palpebral, ou redução do piscamento) e desordens com mecanismos extrínsecos (como deficiência de vitamina A ou uso de lentes de contato). Essas divisões são observadas, em conjunto com os fatores ambientais, na classificação da causa do olho seco em cada paciente.
O relatório DEWS enfatiza que o olho seco pode ser um “círculo vicioso” e que qualquer tipo de olho seco pode interagir com outras formas exacerbadas de olho seco, disse a Dra. Barbosa de Sousa.
“Às vezes é difícil decidir o que vem primeiro: é a enfermidade que causa o olho seco, ou são os olhos secos que causam a enfermidade?”
Diagnóstico diferencial
Para fazer o diagnóstico diferencial da síndrome do olho seco deve-se lembrar que é preciso dar mais atenção aos sinais e sintomas do que a resultados dos testes, como recomenda o painel Delphi.
Na maioria dos casos, a síndrome do olho seco é bilateral, mas pode ser assimétrica.
“O paciente pode ter sintomas de olho seco como uma sensação de corpo estranho num olho, embora o outro olho esteja completamente normal”, disse a Doutora.
Outros sintomas incluem ardência, coceira e visão turva, principalmente ao piscar, que em geral se agravam pela manhã e no fim do dia e têm como alguns dos sinais a vermelhidão dos olhos e a secreção mucosa.
O lacrimejamento é um sintoma freqüente, e isto costuma confundir os pacientes.
“Eles perguntam: ´Como é que tenho olho seco se lacrimejo o tempo todo?´ Mas o lacrimejamento é um dos principais sintomas iniciais por ele reportados”, disse a Dra. Barbosa de Sousa.
É importante lembrar que muitos desses sinais e sintomas não são exclusivos do olho seco;
“o olho responde a todo o tipo de agressão com vermelhidão”, daí a dificuldade de se fazer um diagnóstico diferencial em vista de sua ocorrência.”
Problemas como a quebra da integridade epitelial também podem se manifestar com uma série de sintomas de olho seco: fotofobia, sensação de corpo estranho, redução da acuidade visual, blefaroespasmo, vermelhidão nos olhos e defeitos epiteliais— mas isto não configura a síndrome do olho seco.
De igual modo, a blefarite ou conjuntivite crônica, seja por bactéria, vírus, alergia ou outras etiologias, pode causar secreção e coceira; também nesse caso, distinguir os sintomas de olho seco no diagnóstico diferencial pode ser um desafio, porém existem indícios a pesquisar.
“Uma regra simples pode contribuir para o diagnóstico diferencial”, disse a Dra. Barbosa de Sousa. “Se o olho estiver coçando, deve-se suspeitar de alergia; se estiver ardendo, de olho seco; e se estiver pegajoso, de conjuntivite bacteriológica. Mas é preciso lembrar que quase toda a disfunção relacionada à conjuntiva e à pálpebra pode resultar em olho seco.”
Na conjuntivite bacteriológica, é importante identificar a cor e o tipo de secreção existente na fase aguda, pois são diferentes dos da secreção mucosa que se vê no olho seco.
Alergia, toxicidade, ardência ocular, uso crônico de medicações, penfigóide ocular, síndrome de Stevens-Johnson – todas estas disfunções podem estar associadas à secreção e coceira, causar os sintomas de olho seco, e mais tarde, devido à ruptura crônica da composição do filme lacrimal e dos resultados dos danos à superfície ocular, podem levar ao próprio olho seco.
No caso da alergia ocular, embora seja relacionada ao olho seco, é uma entidade distinta; é comum os pacientes com alergia ocular terem um histórico de alergia sistêmica. Normalmente, ela é bilateral, mas, assim como o olho seco, também pode ser assimétrica, e os sintomas de ambos podem ser semelhantes: lacrimejamento, olhos lacrimosos; pálpebras inchadas, descarga ocular.
“O médico que faz o diagnóstico do olho seco deve considerar uma série de fatores”, disse a Dra. Barbosa de Sousa, “inclusive o tempo dos sintomas; a presença ou ausência de dor, o tipo de secreção, a acuidade visual, as condições da pupila, as características da hiperemia: localizada ou difusa, superficial ou profunda, com ou sem edema, bem como os achados da biomicroscopia. Podem ser necessários os resultados dos tingimentos da córnea, inclusive fluoresceína, rosa-de-bengala e verde-de-lisamina, e de outros exames específicos.
Ela lembrou que, na ocorrência de olhos vermelhos em crianças, é bom perguntar aos pais sobre as atividades do paciente.
“Muitos pais descrevem dor, vermelhidão e redução da acuidade visual dos filhos; fazemos os exames e os resultados revelam-se absolutamente normais. Mas quando perguntamos sobre suas atividades, descobrimos que brincam constantemente com vídeogames. É o que causa a diminuição na freqüência do piscamento, a visão turva e a vermelhidão dos olhos, portanto devemos lembrar deste pormenor: é importante verificar as atividades das crianças para diagnosticar se o olho vermelho é um olho seco.”
Para maiores informações:
- A Dra. Luciene Barbosa de Sousa é professora associada da Universidade Federal de São Paulo e diretora médica do Banco de Olhos de Sorocaba, Hospital Oftamologico de Sorocaba, Brasil.
Referências
- Behrens A, Doyle JJ, Stern L, et al. Dysfunctional tear syndrome: a Delphi approach to treatment recommendations. Cornea. 2006;25:900-907.
- Gipson IK, Argüeso P, Beuerman R, et al. Research in dry eye: Report of the Research Subcommittee of the International Dry Eye WorkShop (2007). Ocul Surf. 2007 Apr;5(2):179-193.
- Lemp MA. Report of the National Eye Institute/Industry Workshop on Clinical Trials in Dry Eye. CLAO J. 1995;21:221-232.
- McDonnell PJ, Doyle JJ, Stern L, Behrens A, and the Dysfunctional Tear Syndrome Group. A modified Delphi technique to obtain consensus on the treatment of dysfunctional tear syndrome. Presented at: Annual Meeting of the Association for Research in Vision and Ophthalmology; April 25-29, 2004; Fort Lauderdale, Fla.
- Wilson SE, Stulting RD. Agreement of physician treatment practices with the international task force guidelines for diagnosis and treatment of dry eye disease. Cornea. 2007;26:284-289.