A patofisiologia do olho seco inclui inflamações
De acordo com o Dr. James P. McCulley, membro do American College of Surgeons (FACS) e membro do Royal College of Ophthalmologists (FRCOphth), cada vez mais, as inflamações são reconhecidas como um fator importante na síndrome do olho seco.
Em palestra no Congresso Pan-Americano de Oftalmologia realizado em Cancun, México, no início deste ano, a respeito dos fatores envolvidos na patofisiologia do olho seco, o Dr. McCulley apontou a inflamação como uma das causas subjacentes da síndrome, juntamente com fatores como a deficiência de componentes mucínicos, lipídicos e aquosos do filme lacrimal e as desordens da superfície ocular.
É possível que as inflamações sejam o evento primário que deflagre o ressecamento do olho, na forma de resposta imunológica dirigida às glândulas lacrimais, à conjuntiva, às glândulas meibomianas ou à superfície ocular, e que estejam presentes tanto na síndrome de Sjöegren quanto na ceratoconjuntivite “sicca” não-Sjöegren.
O efeito da inflamação é potencializado pelo retardamento da desobstrução lacrimal, e essa inflamação pode afetar não apenas o filme lacrimal como, também, o loop neural, retardando o reflexo do piscamento e agravando o ressecamento.
“Quando há uma perturbação da fisiologia normal de qualquer parte do corpo”, disse o Dr. McCulley, “seja em nossas artérias, na pele ou na superfície ocular, a resposta humana resultante é a inflamação.” Assim, a inflamação pode afetar adversamente a situação causada pelo evento de partida e, uma vez iniciada, auto-perpetuar-se, conforme demonstram os resultados dos estúdios laboratoriais; contudo, os trabalhos experimentais que sugerem que a inflamação faz parte de um processo cíclico ainda não foram confirmados em humanos.
No debate sobre a degradação do filme lacrimal ser conseqüência da inflamação ou a inflamação ser conseqüência da degradação do filme lacrimal, em vista da natureza circular do fenômeno, o Dr. McCulley admitiu que dois cenários são possíveis.
A meibomianite também pode afetar adversamente a superfície ocular. A inflamação das glândulas meibomianas resulta em anormalidade da camada lipídica, caso em que o filme lacrimal pode evaporar com rapidez e causar o ressecamento do olho. Os lipídeos anormais associados com a inflamação das glândulas meibomianas podem ser liberados no filme lacrimal, exacerbando a disfunção da superfície ocular e a instabilidade do filme lacrimal.
A escolha do tratamento adequado para o paciente portador da síndrome do olho seco deve levar em conta os papéis da inflamação, disse o Dr. McCulley.
Causas da síndrome do olho seco
O olho seco é uma deficiência ou defeito em uma das principais camadas do filme lacrimal, que causa a instabilidade deste e finalmente o ressecamento da superfície ocular e se manifesta pela ocorrência de pontos secos com manchas vitais na fissura interpalpebral.
A prevalência do olho seco tem sido estudada em uma série de populações com alguma variação, porém o Dr. McCulley sugere uma estimativa geral mais precisa de prevalência de 15%.
“Isto depende do ambiente, da população de pacientes e de outros fatores, mas cerca de 10% dos pacientes a quem consultamos terão ressecamento dos olhos”, afirmou. “As mulheres apresentam olho seco com muito mais freqüência do que os homens, e a prevalência aumenta com a idade, principalmente entre as mulheres”. (Figura)
Assim como há muitas causas, também são muitas as disfunções adjacentes associadas ao olho seco, inclusive a penfigóide, o lúpus e as síndromes de Sjöegren e de Stevens-Johnson, que tendem a aumentar em freqüência com o avanço da idade.
Quase todo mundo experimenta sinais e sintomas de olho seco nalgum momento da vida, em virtude de fatores ambientais quotidianos. Nos últimos anos, o extenso esforço visual, com muitas horas de trabalho ao computador ou com muitas horas de lazer diante da tevê ou de uma tela de cinema, transformou-se num fator particularmente comum. Os tratamentos medicamentosos sistêmicos podem ressecar o olho, principalmente os anti-histamínicos, alguns indutores de sono, as terapias de reposição hormonal e os anticolinérgicos. Alimentos e bebidas, principalmente bebidas alcoólicas, também podem dar causa ao problema, assim como grandes altitudes ou climas áridos, como os do sudoeste dos EUA. Um dos piores agitadores da deficiência é o vento dos aquecedores e condicionadores de ar. Poluentes como fumaça dos escapamentos também podem causar ressecamento ocular.
A evaporação representa um papel importante no ressecamento. A uma umidade relativa de 40 a 45%, há uma significativa perda lacrimal por evaporação, e, se a umidade relativa baixar para 20 a 25%, o aumento na perda é de quase 100%.
Os oftalmologistas também podem constatar a ocorrência de olho seco nos pacientes submetidos a cirurgias refrativas ou que façam uso prolongado de lentes de contato —fatores que, para o Dr. McCulley, estão inter-relacionados.
“Por que muitos pacientes procuram a cirurgia ceratorrefrativa? Porque não conseguem usar lentes de contato. Por que não conseguem? Na maioria dos casos porque têm olho seco. Temos que ter muito cuidado com a população de pacientes que buscam a cirurgia ceratorrefrativa em virtude da intolerância ao uso de lentes de contato”, disse.
Outro fator que relaciona a cirurgia refrativa ao olho seco é que, na LASIK (correção visual a laser), uma parte dos nervos córneos aferentes é cortada, o que pode afetar a estimulação da produção de lágrimas e causar o ressecamento do olho ou exacerbar o ressecamento existente. Pesquisadores do Japão descobriram que quase a metade dos pacientes submetidos à LASIK reportaram sintomas pós-operatórios de olho seco.
Estrutura do filme lacrimal
O Dr. McCulley explicou que o entendimento da complexidade do filme lacrimal aumentou nos últimos 60 anos. Wolf foi o primeiro a descrever, em 1946, a composição do filme lacrimal em três camadas. Em 1973, Holly aperfeiçoou o entendimento da função da camada mucínica do filme lacrimal, e o próprio Dr. McCulley expandiu o entendimento do papel da camada lipídica, nos anos 1980. Tseng e Tsubota estão entre aqueles a quem se atribui a origem do conceito de um complexo interativo, incluindo a superfície ocular e o filme lacrimal, disse ele.
Houve uma época em que se pensava que o filme lacrimal fosse compartimentado em três camadas distintas: a lipídica externa, secretada pelas glândulas meibomianas; a aquosa intermediária, secretada pelas glândulas lacrimais; e a mucínica subjacente. No modelo revisado do filme lacrimal, a camada lipídica ainda está no exterior, reduzindo a evaporação, mas é mais complexa do que se imaginava. Os componentes aquosos e mucínicos são vistos não como camadas independentes, porém como partes de uma camada mais complexa, em que a concentração mucínica na aquosa varia. Algumas mucinas são suspensas na camada aquosa, ao passo que outras são vinculadas à membrana no nível das células epiteliais da córnea.
A função primária do componente aquoso é transportar os componentes das lágrimas, como o oxigênio, as enzimas e as proteínas, até a superfície ocular, disse o Dr. McCulley. O componente aquoso também serve para manter a umidade da superfície.
O componente mucínico oferece um revestimento tensoativo que regula a tensão na superfície das células superficiais oculares hidrofóbicas. Os surfactantes criam uma ponte entre as células epiteliais hidrofóbicas e a camada aquosa-mucínica hidrofílica. As mucinas são secretadas primariamente pelas células caliciformes na superfície ocular, porém algumas mucinas ligadas à superfície ocular são produzidas pelas células da superfície.
A camada lipídica é igualmente complexa. Uma vez que a maior parte da camada lipídica é hidrofóbica e se sobrepõe à camada aquosa-mucínica hidrofílica, os surfactantes chamados lipídeos polares e possivelmente outras moléculas servem de ponte entre a camada aquosa-mucínica e a camada lipídica hidrofóbica, mais espessa. A função primária da camada lipídica é evitar a evaporação e a superabundância das lágrimas, disse ele.
Qualquer defeito na camada lipídica, aquosa ou mucínica pode causar instabilidade do filme lacrimal e, por sua vez, levar a uma redução do tempo de ruptura, acabando por danificar a célula epitelial, afirmou o Dr. McCulley. Como num ciclo vicioso, ao mesmo tempo que resultam da síndrome do olho seco, os danos à célula epitelial também podem exacerbar o ressecamento. Se a superfície ocular estiver danificada e for irregular, o deslizamento das pálpebras é interrompido e a capacidade da mucina de revestir a superfície é afetada.
Para maiores informações:
- O Dr. James P. McCulley, FACS, FRCOphth, é chefe de oftalmologia do UT Southwestern. Ele pode ser encontrado no Departamento de Oftalmologia do University of Texas Southwestern Medical Center, [Centro Médico Sudoeste da Universidade do Texas], 75323 Harry Hines Blvd, Dallas, TX 75390-9057. +1 214.648.2020; fax: +1 214.648.9061; E-mail: James.McCulley@UTsouthwestern.edu.
Referências
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