September 01, 2009
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MRSA adquirido na comunidade um problema crescente em oftalmologia

Especialistas dizem que deve-se ter conhecimento do risco, mas também que outros patógenos são bem mais comuns.

Dr. Francis S. Mah
Francis S. Mah

A infecção causada por Staphylococcus aureus resistente à meticilina, ou MRSA, é uma preocupação crescente na medicina e, inclusive, na oftalmologia.

Para os oftalmologistas, o potencial de infecção pelo MRSA após a cirurgia de catarata ou refrativa representa uma complicação rara mas possivelmente séria.

“Os estudos epidemiológicos demonstraram que a infecção por MRSA mais citada é conjuntivite e a menos citada é a endoftalmite”, afirmou o Dr. Francis S. Mah, membro do OSN Cornea/External Disease Section.

“É definitivamente um problema crescente na oftalmologia”, prosseguiu. “Entretanto, em termos de números absolutos, não é preponderantemente a etiologia mais comum de infecção bacteriana que os clínicos possam imaginar. Precisamos estar cientes do aumento do MRSA, mas necessitamos perceber que outros patógenos têm maiores chances de causarem infecções”.

Um aspecto preocupante do MRSA é que o potencial para infecção afeta as escolhas profiláticas ou empíricas de antibióticos.

“Se perceber que o paciente é de alto risco, então deveria começar a pensar no MRSA”, explicou o Dr. Mah. “Caso contrário, você deve tratar empiricamente, ou profilaticamente, visando os patógenos mais prováveis”.

MRSA Oftálmico

Enquanto vários estudos implicaram a resistência da meticilina como uma ameaça importante à saúde pública em várias especialidades médicas, as melhores estimativas da prevalência do MRSA nas infecções oftálmicas sugerem a presença em uma porcentagem proporcionalmente baixa de casos, afirmou o Dr. Mah.

Por exemplo, a evidência epidemiológica sugere que o MRSA é responsável por cerca de 3% de todas as ocorrências de endoftalmite. Entretanto, entre os S. aureus, ele é responsável por cerca de 35% de todas as endoftalmites, e deve ser levado em consideração o contexto de que a endoftalmite é uma complicação relativamente rara.

Grupos de alto risco

Na oftalmologia, a maior preocupação com o MRSA envolve as complicações pós-cirúrgicas após a remoção da catarata ou LASIK. Entretanto, segundo o Dr. Mah, apenas 2,5% da população geral é portadora do MRSA, conforme relatado em literatura, e, portanto, o risco de infecção é relativamente baixo. Deve-se ter cuidado adicional, afirmou, no contexto de determinados pacientes de alto risco.

A porcentagem de portadores de MRSA entre os profissionais da área de saúde é de aproximadamente 15% a 20%, e devido à maior penetração de procedimentos refrativos nesta população de pacientes, uma cultura ocular prospectiva pode ser uma opção. Pacientes com fatores de risco concomitantes, como diabetes ou deficiência imunológica, ou que estejam em tratamento com esteróides, que podem inibir a imunidade, também são considerados de alto risco.

Outros grupos de alto risco foram identificados em estudos: pacientes que participam de competições ou que frequentam academias de ginástica; pacientes em asilos; pacientes com histórico de diálise, colonização prévia por MRSA ou deficiência imunológica; e cônjuges de pacientes com muita exposição a ambientes de saúde.

MRSA crescente

A maior parte dos estudos epidemiológicos até hoje na literatura oftálmica observaram o aumento da prevalência de MRSA em situações locais. Se os analisarmos como um grupo, estes estudos sugeririam um problema que não é apenas regional.

Da mesma forma, os sinais começam a surgir em estudos de escopo nacional indicando que o MRSA, especificamente o MRSA adquirido na comunidade, é uma ameaça potencial para o cenário oftálmico. Em um pôster apresentado na reunião de 2008 da American Academy of Ophthalmology, que analisou os suabes prospectivamente coletados de candidatos à cirurgia refrativa em 10 instituições nos Estados Unidos, 321 de 399 pacientes apresentaram cultura positiva de material colhido da pálpebra e 229 apresentaram cultura positiva de material colhido da conjuntiva para espécies de estafilococos. Entre as culturas positivas, o S. Epidermidis foi a cepa mais predominante seguida pelo S. aureus.

Dr. Eric D. Donnenfeld
Eric D. Donnenfeld

A importância, segundo o Dr. Eric D. Donnenfeld, um membro do OSN Cornea/External Disease Section, é que o estudo foi realizado em pacientes que não eram profissionais da área de saúde. Além disso, o teste de suscetibilidade revelou altos níveis de resistência à oxacilina.

Um relatório baseado nos dados submetidos por mais de 200 laboratórios nos Estados Unidos para a Rede de Vigilância também evidenciaram um aumento na proporção da resistência da meticilina entre os isolados oculares de S. aureus de 29,5% em 2000 a 41,6% em 2005.

“A direção prudente seria considerar a possibilidade de resistência a várias medicações e à meticilina em qualquer infecção ocular por S. aureus, mesmo na ausência de fatores de risco reconhecidos”, afirmaram os autores do estudo.

O relatório concluiu que “com base na velocidade de aumento nos bancos de dados [da Rede de Vigilância], as culturas de MRSA realizadas em infecções oculares graves poderiam ser mais comuns do que com o S. aureus suscetível em 2 a 3 anos”.

O relatório também evidenciou que isolados de MRSA continham um alto nível de resistência a várias medicações, definida como resistência a três ou mais agentes antimicrobianos. Apenas o trimetroprim manteve uma atividade adequada contra o MRSA (95%), enquanto a suscetibilidade diminuída foi observada para ciprofloxacina (31,6%), gatifloxacina (29%), levofloxacina (26,5%), moxifloxacina (27,4%) e tobramicina (44,9%).

“Estas fluoroquinolonas – gatifloxacina, moxifloxacina, levofloxacina – referem-se à mesma substância, portanto, se for resistente a uma, é resistente às outras”, observou a Dra. Penny A. Asbell, MBA, a primeira autora do relatório. E se forem resistentes às três medicações, “também serão resistentes à azitromicina, penicilina, talvez com sensibilidade reduzida à tobramicina, e a única que consideramos eficaz é o trimetroprim.”

Dra. Penny A. Asbell, MBA
Penny A. Asbell

Um segundo relatório, também escrito pela Dra. Asbell, editora de OSN Contact Lens Section, encontrou altos níveis de resistência à meticilina entre os isolados de S. aureus. O relatório era de um programa de vigilância nacional separado, a Ocular TRUST (Tracking Resistance in the United States Today), que coleta isolados oculares de sete hospitais oftalmológicos e 28 hospitais comunitários em 19 estados.

“Mais de 50% dos isolados eram S. aureus resistentes à meticilina”, afirmou a Dra. Asbell em relação aos dados de vigilância. “É o que esperávamos: um aumento em todas as infecções em todas as categorias”.

MRSA adquirido na comunidade

Entre a crescente incidência de MRSA, as cepas adquiridas em comunidade estão rapidamente se tornando uma ameaça predominante. Segundo uma revisão amplamente citada de todas as infecções por MRSA descobertas pelo sistema Parkland Health and Hospital em Dallas, ao concentrar-se especificamente na etiologia e na epidemiologia das infecções oculares, o Dr. Preston H. Blomquist observou uma ausência de infecções nosocomiais, porém um aumento no número e na proporção de cepas de MRSA adquiridas na comunidade.

“No hospital, 70% eram adquiridos em comunidade. Para o cenário oftalmológico, responsável por 1,3% das nossas infecções, 76% eram adquiridas na comunidade”, afirmou o Dr. Blomquist.

Entretanto, a identificação de MRSA potencialmente adquirido na comunidade pode ser uma proposta difícil. No estudo de Parkland, pacientes com MRSA oftálmicos nosocomiais costumam ser mais jovens que os pacientes com MRSA adquiridos na comunidade (média de 24 anos versus 35,6 anos, respectivamente). Este achado estava em desacordo com o cenário do hospital geral onde pacientes com MRSA nosocomial eram normalmente mais velhos (40,9 anos) do que os pacientes com MRSA adquirido na comunidade (37,4 anos).

A genética afeta a expressão da doença

Recentemente, o Dr. Blomquist afirmou, vem ocorrendo um nivelamento das infecções adquiridas na comunidade pelo sistema Parkland. Entretanto, é difícil atribuir isso a menos prevalência e, pelo contrário, a queda dos casos adquiridos na comunidade pode ser devido ao uso empírico de terapia que atinge o MRSA com menos uso de culturas primárias.

“A boa notícia é que em relação ao MRSA adquirido na comunidade, não há necessidade de utilizar o antibiótico mais potente, pois a maior parte dos antigos ainda funcionará”, afirmou o Dr. Blomquist.

Em estudos mais antigos, os isolados oculares de MRSA no cenário Parkland eram sensíveis ao trimetoprim-sulfametoxazol.

Dr. James P. McCulley, FACS
James P. McCulley

O MRSA adquirido na comunidade é mais facilmente transmitido de paciente para paciente, segundo o Dr. James P. McCulley, FACS, e como ele produz níveis aumentados da leucocidina Panton-Valentine, ela logo mata os mecanismos de defesa naturais do organismo.

“As diferenças genéticas entre os dois se manifestam em expressões bem diferentes da doença e de comportamento da bactéria”, afirmou o Dr. McCulley.

Apesar das diferenças entre os dois patógenos, e do impacto na escolha do antibiótico para determinação da etiologia infecciosa, o teste genético é impraticável no contexto clínico. No lugar, afirmou o Dr. McCulley, os fatores específicos ao paciente devem indicar: indivíduo jovem, saudável, especialmente em situações de possível exposição a outros potenciais portadores como familiares, colegas de competição em esportes ou em um ambiente de prisão. A natureza da doença também pode ser um sinal, já que o MRSA adquirido na comunidade mais frequentemente causa infecção nos tecidos moles e na pele, portanto uma apresentação ao redor das pálpebras pode ser um sinal.

“Se for comunitária, deve-se estar muito mais preocupado em relação a uma infecção progressiva mais rápida e muito mais grave”, afirmou.

Escolha do antibiótico

Mais recentemente, a vancomicina demonstrou apresentar um efeito bactericida maior em relação ao MRSA, mas houve relatos de MRSA no cenário nosocomial citando a resistência a estes antibióticos.

“O Hospital Infection Control Practice Advisory Committee aconselhou bastante e publicamente contra o uso rotineiro de vancomicina para a profilaxia”, afirmou o Dr. Blomquist.

Sugeriu-se recentemente que a profilaxia intracameral pode ser importante na cirurgia oftálmica para auxiliar na compensação de risco de infecção pós-cirúrgica. Com base em experiências de um estudo patrocinado pela European Society of Cataract and Refractive Surgeons, houve contatos em alguns pontos da comunidade oftálmica para incluir a profilaxia intracameral universal – ou pelo menos frequente – com fluoroquinolona ou vancomicina.

Os críticos mencionam que a profilaxia intracameral, mesmo sendo eficaz durante a cirurgia, não permanece tempo o suficiente para oferecer proteção ao longo do período pós-cirúrgico. Da mesma maneira, o custo e o risco de erros de diluição podem pesar mais do que as vantagens desta estratégia.

Fluoroquinolonas mais modernas, incluindo a gatifloxacina, moxifloxacina e levofloxacina, têm um espectro mais amplo de atuação e baixa probabilidade de desenvolvimento de resistência.

Os procedimentos de controle da infecção ainda são críticos. A lavagem das mãos é de suma importância, afirmou o Dr. Donnenfeld, mas friccioná-las com Betadine antes da cirurgia e o uso de incisões suturadas ou autovedação também podem diminuir o risco de infecção.

“Sabemos que a PRK apresenta um maior risco, devido ao defeito epitelial prolongado”, acrescentou. — por Bryan Bechtel

Referências:

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  • Witherspoon SR, Blomquist PH. Methicillin-resistant Staphylococcus. Ophthalmology. 2007;114(7):1420-1421.

  • A Dra. Penny A. Asbell, MBA, pode ser contatada em Mount Sinai School of Medicine, One Gustave L Levy Place, Box 118, New York, NY 10029; 212-241-7977; e-mail: penny.asbell@mssm.edu.
  • O Dr. Preston H. Blomquist pode ser contatado em University of Texas Southwestern Medical Center, 5323 Harry Hines Blvd., Dallas, TX 75390; 214-648-3770; e-mail: preston.blomquist@utsouthwestern.edu.
  • O Dr. Eric D. Donnenfeld pode ser contatado em OCLI, 2000 North Village Ave., Rockville Centre, NY 11570; 516-766-2519; e-mail: eddoph@aol.com.
  • O Dr. Francis S. Mah, pode ser contatado em University of Pittsburgh Medical Center, Eye and Ear Institute, 203 Lothrop St., 8th Floor, Pittsburgh, PA 15213; 412-647-2200; e-mail: mahfs@upmc.edu.
  • O Dr. James P. McCulley, FACS, pode ser contatado em UT Southwestern Medical Center at Dallas, 5323 Harry Hines Blvd., Dallas, TX 75390; 214-648-3407; e-mail: james.mcculley@utsouthwestern.edu.