Infecção desastrosa pós-LASIK pode ameaçar a visão do paciente
Cirurgiões devem estar familiarizados com os fatores de risco, sinais, tratamentos das ceratites.
![]() Amar Agarwal |
O LASIK tornou-se um procedimento refrativo comum e usualmente é considerado seguro. A incidência de complicações que ameaçam a visão após o LASIK permanece baixa. Entretanto, as infecções pós-LASIK podem ser desastrosas para o paciente, que geralmente submete-se ao procedimento cosmético apresentando grandes expectativas (Figura 1). Outras cirurgias refrativas, tais como a ceratotomia radial e a ceratotomia hexagonal, foram relacionadas às infecções no passado. Também houve relatos de endoftalmites após cirurgia incisional refrativa.
Fatores de risco
A infecção que ocorre após a ceratectomia foto-refrativa (PRK) pode ser secundária ao defeito epitelial (Figura 2) assim como ao uso de lentes de contato terapêuticas. Diferentemente do PRK, a integridade da membrana de Bowman e o epitélio corneano permanecem intactos após o LASIK; conseqüentemente, o risco de ceratite microbiana é considerado mais baixo neste procedimento do que em outros. Apesar disso, a ocorrência de ceratite após o LASIK é uma realidade e numerosos relatos de casos podem comprová-la. Durante a cirurgia, o estroma corneano pode entrar en contato com agentes infecciosos provenientes do próprio corpo do paciente ou de contaminantes presentes nos instrumentos. O cirurgião e a sala de cirurgia também podem atuar como uma fonte. Quebras na barreira epitelial e excessiva manipulação cirúrgica são outros fatores de risco. Outros fatores no período pós-operatório, tais como re-epitelização corneana prolongada, o uso tópico de esteróides e de lentes de contato terapêuticas, assim como sensibilidade corneana reduzida e olho seco, podem contribuir para infecções pós-LASIK.
Sinais e sintomas clínicos
A ceratite infecciosa geralmente surge mais tardiamente que a ceratite lamelar difusa, com a qual freqüentemente é confundida. Tradicionalmente inicia-se com pelo menos uma semana de pós-operatório, freqüentemente meses depois. A ceratite fúngica geralmente tem um início mais tardio (2 semanas após a cirurgia), embora o Staphylococcus epidermidis e a Mycobacterium também possam surgir tardiamente. Freqüentemente observamos uma área focal de infiltrados associada à inflamação difusa ou localizada, podendo envolver toda espessura corneana. Pode espalhar-se para regiões não-tratadas da córnea e para fora dos limites do flap. Pode iniciar com um quadro de melting do flap. Ainda, podem estar associados à congestão ciliar, irite secundária, hipópio e glaucoma secundário. Existe uma perda na acuidade visual com correção (AVc/c) e acuidade visual sem correção (AVs/c). O paciente pode apresentar sintomas como dor, irritação, lacrimejamento ou fotofobia. Microorganismos atípicos, tais como fungos e micobactérias, geralmente são os responsáveis e, por conseguinte, não respondem ao tratamento convencional instituído. O envolvimento simultâneo ou seqüencial de ambos os olhos e infecção após retoque com levantamento do flap têm sido descritos.
A ceratite infecciosa pós LASIK deve ser discernida também dos infiltrados corneanos estéreis que têm sido descritos no pós PRK e LASIK. Os infiltrados estéreis também apresentam sintomas similares aos da ceratite infecciosa. Infiltrados sub-epiteliais brancos, que são associados aos anéis imunes, são vistos nos primeiros dias de pós-operatório. Esfregaços e culturas são negativos e estes infiltrados respondem bem ao uso de esteróides tópicos. Podem ainda resultar em cicatriz estromal com diminuição da AVc/c. Foram propostas numerosas etiologias, dentre elas a imuno-mediação estafilocócica, surgimento secundário ao uso de anti-inflamatórios não-hormonais sem o uso concomitante de esteróide tópico e a hipóxia induzida pelo uso da lente de contato.
Complicações
A infecção pode se espalhar e envolver todas as camadas da córnea, induzir melting cornenano e do flap, cicatriz, reação da câmara anterior, hipópio, glaucoma secundário, sinéquias anterior e/ou posterior, astigmatismo irregular e perda na AVc/c ou AVs/c.
Prevenção
É importante empregar todos os recursos para prevenir complicações que ameacem a visão. A avaliação pré-operatória dos anexos e sistema lacrimal e o tratamento prévio de qualquer condição pré-existente devem tornar-se rotina para todos os pacientes de LASIK, exatamente como nos casos de catarata. Alguns cirurgiões advogam operar apenas um olho de cada vez ou utilizar diferentes kits para os dois olhos, nos casos de procedimentos simultâneos bilaterais. É altamente recomendado manter uma rígida assepsia durante o procedimento cirúrgico, incluindo campos estéreis. Boas técnicas de esterilização podem evitar o uso de instrumentos contaminados. A solução de iodo-povidona deverá ser empregada para anti-sepsia palpebral no pré-operatório. Todos os líquidos aplicados no pré-, per- e pós-LASIK devem ser estéreis, uma vez que epidemias de micobatéria atípicas foram registradas como originadas de água não-esterilizada utilizada para limpeza dos instrumentos ou de gelo utilizado durante o LASIK.
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Imagens: Agarwal A e cols. |
Tratamento
O diagnóstico precoce e a instituição da terapia apropriada é de fundamental importância no tratamento de infecção pós-LASIK. Qualquer infiltrado localizado deverá ser considerado infeccioso até provem o contrário. Devemos realizar o mais precoce possível, o levantamento do flap e cultura do leito em todos os casos suspeitos de ceratite infecciosa pós-LASIK. O esfregaço auxilia na decisão do tratamento imediato, que posteriormente poderá ser modificado conforme os resultados da cultura e sensibilidade. O exame de reação em cadeia da polimerase (PCR) também é de grande ajuda no diagnóstico. Em alguns casos torna-se necessária a biópsia corneana. O tratamento empírico não tem utilidade uma vez que microorganismos atípicos e oportunistas, de sensibilidade antimicrobiana incomuns, não respondem ao tratamento convencional.
Podemos levantar o flap, fazer cultura e irrigar o leito estromal com solução de antibiótico (vancomicina forte 50 mg/mL, para ceratites de início precoce e amicacina forte 35 mg/mL para ceratites tardias) em todos os casos de ceratites infecciosas pós-LASIK.
Para ceratite de rápido início, é recomendado o uso tópico de fluorquinolona de quarta-geração tais como gatifloxacina 0.3% ou moxifloxacina 0.5%, prescritos inicialmente a cada 5 minutos nas três primeiras aplicações e depois a cada 30 minutos, intercalando com um antibiótico de ação bactericida rápida contra bactérias gram-positivas, tal como cefazolina forte 50 mg/mL a cada 30 minutos. Em pacientes de hospitais com risco de Staphylococcus aureus meticilina-resistente (MRSA), é recomendável substituir a vancomicina forte 50 mg/mL por cefazolina a cada 30 minutos, a fim de fornecer um tratamento mais eficaz contra o MRSA. Recomendamos tanto o uso oral de doxiciclina 100 mg duas vezes ao dia, a fim de inibir a produção de colagenase, assim como a descontinuação dos corticosteróides. O tratamento deverá ser modificado conforme os resultados da cultura e da sensibilidade.
Para casos de ceratites de início tardio, geralmente associadas às micobactérias atípicas, nocárdia e fungos, é recomendado iniciar o tratamento com amicacina 35 mg/mL a cada 30 minutos, alternando com gatifloxacina 0.3% ou moxifloxacina 0.5% a cada 30 minutos, associado ao uso oral de doxicilina 100 mg duas vezes ao dia, e descontinuar o uso de corticóides.
Este tratamento é ineficaz contra fungos, que geralmente surgem posteriormente com quadro de ceratite extensa. Medicamentos antifúngicos adequados devem ser iniciados e modificados conforme resultados da sensibilidade. Infecções fúngicas são geralmente difíceis de tratar devido à falta de drogas antifúngicas potentes, baixa-penetração no epitélio corneano intacto, toxicidade e baixa-solubilidade. Freqüentemente é necessário amputar o flap para melhor penetração destas drogas. Em casos não responsivos, com extenso envolvimento corneano, poderá ser necessário a ceratoplastia penetrante (Figuras 3 e 4). A PCR pode ser utilizada para diagnosticar o agente causador, especialmente em casos de amostras limitadas. A microscopia confocal também pode ser útil.
Para maiores informações:
- Dr. Amar Agarwal, MS, FRCS, FRCOphth, é diretor do Dr. Agarwal’s Group of Eye Hospitals, ensina facoemulsificação, phakonit, LASIK e laser retiniano internacionalmente. É autor de diversos livros publicados pela SLACK Incorporated, que publica a OSN, incluindo os: Phaco Nightmares: Conquering Cataract Catastrophes, Bimanual Phaco: Mastering the Phakonit/MICS Technique, Dry Eye: A Practical Guide to Ocular Surface Disorders and Stem Cell Surgery, y Presbyopia: A Surgical Textbook. Ele pode ser encontrado a 19 Cathedral Road, Chennai 600 086, India; fax: 91-44-28115871; e-mail: dragarwal@vsnl.com; Web site: www.dragarwal.com.
Referências:
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